Valor econômico, v. 17, n. 4080, 30/08/2016. Brasil, p. A3

Agenda micro deve andar mais rápido que a fiscal

Para analistas, concessões e mudanças regulatórias avançarão mais facilmente que o teto para gastos

Por: Sergio Lamucci

 

Depois de encerrado o processo de impeachment, o governo de Michel Temer deverá conseguir aprovar reformas fiscais, mas terá de fazer concessões, havendo espaço para avanços mais significativos no campo das reformas microeconômicas. O andamento dessa agenda micro pode levar à expansão de investimentos em áreas como infraestrutura em logística, petróleo e gás e telecomunicações, segundo avaliações de consultorias como a Eurasia Group, uma empresa de risco político.

Com o provável afastamento definitivo de Dilma Rousseff da Presidência, a ser definido nesta semana, Temer deverá ser menos cauteloso nas negociações com o Congresso. Para o diretor para a América Latina da Eurasia Group, João Augusto de Castro Neves, a conclusão do processo de impeachment eliminará uma fonte de incerteza do horizonte, o que deve dar mais confiança a Temer. Antes do julgamento definitivo, o presidente interino teria optado por ser mais prudente, evitando criar inimigos no Congresso. Isso não quer dizer, porém, que Temer terá grande força política e conseguirá aprovar na íntegra as suas propostas de reformas fiscais, avalia ele. "São pautas impopulares, bastante difíceis."

Na visão da Eurasia, o projeto do teto de gastos passará, mas com "furos", enquanto a reforma da Previdência também deverá ser aprovada, embora não tenda a ser suficiente para evitar novos déficits. "Isso significa que uma nova rodada de reformas fiscais será necessária depois das eleições de 2018", afirma a consultoria.

Sócio da Arko Advice, Lucas de Aragão também acredita que Temer terá de fazer concessões ao negociar essas reformas. Ele considera cedo, contudo, para dizer se o governo terá de ceder muito em relação às propostas originais. Aragão nota que Temer conta com uma equipe "preparada e experiente" nas negociações entre o Executivo e o Legislativo, e que não deve repetir erros básicos na interlocução com os parlamentares cometidos por Dilma.

Para Aragão, o fim do impeachment dará, sim, mais poder a Temer. "Ele deverá começar a governar com mais autonomia. A caneta fica mais poderosa", diz o consultor, para quem, nas poucas vezes em que o Congresso se rebelou contra o presidente, isso se deu por "total incapacidade política do chefe do Executivo". Ainda assim, a aprovação do projeto do teto de gastos e da reforma da Previdência vai exigir que o governo faça concessões. Não passarão sem mudanças.

O cenário é diferente, porém, para o caso das reformas microeconômicas, na visão de Castro Neves. Para a Eurasia, são medidas que enfrentam menor resistência política e podem ajudar a trazer investimentos para o país. Um deles é o projeto que põe fim à obrigatoriedade de a Petrobras ser a operadora única e de ter participação mínima de 30% nos consórcios que explorem o pré-sal. A consultoria vê uma possibilidade elevada de a medida, já aprovada no Senado, passar na Câmara dos Deputados em setembro.

Ao estimular o investimento, a agenda microeconômica ajuda o país a crescer mais, afirma Castro Neves. "Se fizer a economia se recuperar de modo mais rápido, essas medidas aliviam a pressão no front fiscal", diz. "O governo compraria tempo."

Para a Eurasia, as políticas do governo na área microeconômica deverão ter o maior impacto em cinco setores: infraestrutura em logística, petróleo e gás, energia elétrica, agricultura e telecomunicações. Na visão da consultoria, o avanço dessas reformas vai incentivar o investimento privado em segmentos "pesadamente regulados" da economia. "Reformas nesses setores serão complementadas por medidas que reforcem o papel das agências reguladoras, com um grande foco na privatização de ativos estatais", diz relatório da empresa de risco político.

Aragão também crê na possibilidade de um estímulo importante ao investimento, caso haja a aprovação de medidas que aumentem a confiança e a segurança jurídica. Segundo ele, o mercado olha com atenção as mudanças que podem ocorrer em breve no setor de petróleo e gás, um segmento complexo e que exige investimentos elevados. Para Aragão, "o Brasil vai se tornar o queridinho dos mercados da noite para o dia", mas alterações que caminhem nessa direção poderão trazer um volume importante de recursos para o país.

"O Brasil é grande demais para ser ignorado", diz Castro Neves. "Mesmo quando o país está mal, ainda se ganha dinheiro pela escala." Com avanços na agenda microeconômica, o Brasil pode ser beneficiado.

Em relatório, a MCM Consultores Associados mostra uma visão um pouco cética quanto ao cenário que se seguirá ao provável afastamento definitivo de Dilma. "A forma como o governo tem conduzido algumas questões fiscais relevantes nos leva a ficar mais cautelosos, a acreditar que nem tudo será mais fácil após o impeachment, e a considerar como corretas as exigências de maiores prêmios por parte dos investidores", diz o texto.

A consultoria cita a renegociação das dívidas dos Estados, afirmando que o episódio "mostrou falta de determinação do governo federal, que cedeu às pressões contrárias ao aperfeiçoamento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)". O confronto entre os partidos da base governista em relação ao aumento dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) também seria um sinal negativo. "O partido do presidente Temer, o PMDB, defende o aumento, enquanto tucanos e democratas pedem por maior austeridade com as despesas com pessoal", nota a MCM, para quem é complicado solicitar o apoio da sociedade ao ajuste fiscal "ao mesmo tempo em que se deseja conceder um aumento salarial para funcionários públicos que já estão entre os mais bem pagos do país." A grande dúvida é saber se, passado o impeachment, Temer vai endurecer o jogo.

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