Valor econômico, v. 17, n. 4080, 30/08/2016. Política, p. A8

Senadores serão cobrados por ausência de resultados de Temer; aposta discurso

Por: Maria Cristina Fernandes

 

Foi a aposta num governo Michel Temer incapaz de conter a combustão de crises de seu governo que deu lastro à narrativa de golpe de Dilma Rousseff. O discurso explicitou o custo a ser cobrado dos senadores se a pedalada institucional do impeachment não trouxer como resultado o atendimento às expectativas da população.

Escrita pelo redator de discursos de seu governo, Mario Marona, com contribuições de seu advogado, José Eduardo Cardozo, de sua auxiliar Sandra Brandão, além de palpites do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a fala de Dilma foi mais concatenada do que as respostas que passaria a dar a cada senador.

Isso porque o discurso teve um fio condutor, subliminar, o de que o período que está para começar, ao contrário daquele que se iniciou com Itamar Franco, depois do impeachment de Fernando Collor de Mello, não marcará uma nova fase do país, como aquela, no governo Itamar Franco, que deu início à estabilidade do real.

Na fala de Dilma, o impeachment não abrirá uma nova fase na vida do país, nem na economia nem na ética pública. No primeiro quesito porque o atual governo e o Congresso, guiados por um déficit que pode extrapolar os R$ 170 bilhões, não se compromete com a responsabilidade fiscal. No segundo, porque sua cassação foi amarrada a um acordo com o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que permanece imune ao jugo de seus colegas.

Os senadores responderam com cautela à armadilha da vitimização colocada pelo discurso de Dilma. Portaram-se com contida agressividade. O mais afiado deles, Ronaldo Caiado (DEM-GO), questionou a lealdade advogada por Dilma ("entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia"). O senador mostrou gráficos com o desempenho da inflação e do desemprego e perguntou se não se tratava de uma deslealdade com o eleitor.

Reiteradamente, Dilma argumentou que foi o desarranjo da economia internacional que a levou a gastos que extrapolaram os três decretos, sub judice, para não fazer o país parar. Foi sucessivamente contestada mas, no discurso dos senadores do PSDB ficou claro por que Temer tanto se preocupou que o processo do impeachment não atingisse o limite de duração permitido pela lei (180 dias).

Entre os mais aplicados na cobrança do desatino fiscal do governo Dilma, como Ricardo Ferraço (PSDB-ES), a contundência se aproximou daquela que o senador já dirige contra o governo Temer e suas autoridades econômicas pelo complacente sinal verde aos reajustes salariais do topo do funcionalismo.

Em suas respostas, Dilma foi muito mais extensa do que nos cinco minutos que cada senador dispôs para argui-la. Em vários momentos, tentou explicitar a corresponsabilidade do Congresso por gastos do seu governo - "Pensem nas consequências dessa criminalização do plano safra" - mas deixou que Gleisi Hoffmann (PT-PR) fulanizasse a menção àqueles que "rasgam seu passado e negociam as benesses do presente".

A senadora mencionou obras nos Estados de vários ex-ministros de Dilma que aderiram ao impeachment, como Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) e Marta Suplicy (PMDB-SP), para perguntar à presidente afastada se a não realização daqueles gastos a teriam permitido fazer uma gestão fiscal mais contida.

A presidente fez analogias entre a cassação de seus direitos durante a ditadura e o processo do impeachment, que chamou de "pena de morte política". O momento mais emotivo de sua participação no julgamento, no entanto, foi a menção à realização bem sucedida da Olimpíada. A presidente afastada julga que seu empenho pela viabilidade do evento não foi reconhecida quando da abertura dos jogos.

Depois do intervalo do almoço, quando permaneceu, ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no gabinete do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a presidente afastada voltou mais paciente com as perguntas. Ao longo de seus cinco anos e meio de governo nunca debateu tanto com parlamentares. Talvez seja esta uma das explicações por que esteja para encerrar, como cantou o compositor presente nas galerias do Senado, a página infeliz de sua história.

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