Valor econômico, v. 17, n. 4081, 31/08/2016. Política, p. A6

Advogados concluem em tom político e emocional

Por: Murillo Camarotto / Rafael Bitencourt / Bruno Peres

 

As últimas alegações dos advogados de acusação e de defesa da presidente afastada Dilma Rousseff foram marcadas ontem por um tom bem mais político e emocional do que técnico. A maior parte dos discursos, que consumiram quase três horas, concentrou-se em uma espécie de revisão de todo o contexto no qual o processo de impeachment surgiu e avançou.

Primeira a falar, a advogada de acusação Janaína Paschoal tentou demonstrar compadecimento para com Dilma. Começou admitindo ter sofrido quando se viu diante da tarefa de processar outra mulher, ainda mais, segundo a advogada, em um país onde as mulheres têm tanta dificuldade em alçar determinadas posições de poder.

"Mas concluí que se ninguém pode ser perseguido apenas pelo fato de ser mulher, também não pode ser protegido por ser mulher", afirmou. No fim de seu discurso, que durou 50 minutos, a advogada chegou a pedir desculpas à presidente afastada, chorou e citou os netos de Dilma, o que revoltou os petistas.

"Eu peço desculpas porque eu sei que a situação que ela está vivendo não é fácil. Eu peço desculpas porque eu sei que, muito embora esse não fosse o meu objetivo, eu lhe causei sofrimento. E eu peço que ela um dia entenda que eu fiz isso pensando também nos netos dela", afirmou a advogada.

O discurso seguinte foi do jurista Miguel Reale Jr., coautor da ação que culminou no processo de impeachment. O advogado disse que Dilma está "de costas para a nação" e que o desejo de tirar a presidente do cargo vem das ruas, e não do meio político.

Segundo Reale, o fim da era petista vai marcar também o encerramento de uma época marcada por aparelhamento do Estado, ocupação da administração pública com base na "sinecura" e na difusão da mentalidade de que "o que importa é ser malandro". De acordo com o advogado, a principal herança da era petista é "a esperteza malandra".

Defensor de Dilma, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo também fez um discurso mais político do que jurídico. Nos primeiros trinta minutos, remontou toda a cronologia de fatos ocorridos desde a reeleição de Dilma, em outubro de 2014. Na tese defendida por ele, a vitória dela desencadeou uma série de tentativas de destituição que culminaram no impeachment.

Primeiro, segundo ele, vieram as tentativas de recontagem de votos e auditoria nas urnas. Em seguida, um pedido de impugnação das contas eleitorais de Dilma. A divulgação, no final de 2014, de uma lista de políticos envolvidos com o escândalo de corrupção da Petrobras ampliou a pressão para que Dilma sufocasse as investigações.

Entre os mais preocupados, segundo Cardozo, estava o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O grupo liderado por ele se aliou, na tese defendida pela defesa de Dilma aos derrotados na eleição de 2014 para desestabilizar o governo. A ampliação da crise, seguida do rompimento formal de Cunha com o Palácio do Planalto, resultou na busca por um pretexto para o impeachment.

A insistência da defesa em vincular a figura de Cunha ao impeachment foi rebatida pela acusação. Em sua fala, Janaína Paschoal minimizou o papel do ex-presidente da Câmara no processo. Segundo ela, Cunha fez uma série de exigências e retirou fatos da denúncia, como as irregularidades identificadas nas operações entre o Tesouro e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Cardozo gastou menos do que os 90 minutos a que tinha direito em seu discurso. Encerrou com um alerta aos senadores, para que refletissem sobre o papel que terão na história antes de condenarem Dilma à "pena de morte política". Após a fala na tribuna, Cardozo criticou a menção aos netos da presidente pela advogada de acusação.

"Eu achei profundamente injusto. Não condeno alguém dizendo que vou resolver o futuro dos seus netos, mas cada um é dono da sua razão", afirmou o ex-ministro, que foi às lágrimas. Questionado sobre o motivo do choro, disse que traduzia a capacidade de nunca deixar de se indignar diante de uma injustiça. "Me dói e não quero perder nunca esse sentimento", completou.

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