Aliados de Temer definem estratégia para inquirição de Dilma no Senador

 
29/08/2016
Thiago Resende
Vandson Lima

 

Para se contrapor a um possível tom mais político e emocional do discurso de Dilma Rousseff, na abertura de seu depoimento hoje na sessão de julgamento do impeachment, senadores favoráveis à cassação vão enfileirar uma série de perguntas à presidente afastada sobre aspectos técnicos dos possíveis crimes cometidos, que levaram ao processo.

A ideia é desarmar Dilma e colocá-la em dificuldade para explicar as chamadas pedaladas fiscais e a edição de decretos sem aval do Congresso Nacional. Ontem, líderes de partidos da base aliada do presidente interino Michel Temer se reuniram no Senado para traçar a estratégia. A alteração na ordem de inscritos que questionarão Dilma faz parte da tática. Dos 15 primeiros da lista, 12 votam pela saída em definitivo da presidente. Entre eles estão o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, que será o 11º; e o relator Antonio Anastasia (PSDB-MG), quinto parlamentar a perguntar. A primeira inscrita é a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), pró-Dilma, seguida por Ana Amélia (PP-RS) e o tucano Ricardo Ferraço (ES), que votam pela saída definitiva da presidente.

"A orientação é se ater a questões técnicas, formais, que demonstrem que os empréstimos foram fraudulentos e os decretos, ilegais", apontou Aécio. Sobre a possibilidade de Dilma buscar confrontar senadores, na linha dos bate-bocas que ocorreram até agora no julgamento, Aécio disse que "caberá à presidente afastada dar o tom. Ela falará primeiro e acredito que o fará com absoluto respeito ao Senado. Nossa disposição é fazer perguntas duras, técnicas, sempre na direção dos crimes cometidos. Se o tom que vier da presidente for outro, será dada resposta à altura".

Os senadores terão cinco minutos para inquirir Dilma, que terá tempo livre para responder. Segundo o senador José Agripino (DEM-RN) foi pactuado na reunião de líderes que, caso algum parlamentar se sinta desrespeitado, poderá se invocar direito de resposta junto ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, que preside os trabalhos.

Do lado dos pró-impeachment, disse Aécio, todos os senadores vão se inscrever para fazer perguntas à presidente afastada. "O que não vejo é o mesmo número que a presidente teve na última votação corresponder com os inscritos. Teremos uma maioria de inscrições de senadores que já se posicionaram pelo impeachment". Até o momento, 47 senadores se registraram para a fase de questionamentos. Antes, Dilma terá direito a uma fala inicial de 30 minutos.

Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mesmo incomodado com a postura de aliados de Dilma, não vai dirigir perguntas à presidente afastada. Tampouco usar os 10 minutos a que tem direito a discursar na fase imediatamente anterior à votação final. "Nada que me tire da isenção vou fazer. É o meu maior ativo", afirmou, em conversa informal com jornalistas.

A posição do pemedebista na votação, prevista para quarta-feira, ainda é incerta. Ele insiste que está refletindo sobre a decisão. Aliados de Temer, contudo, acreditam que Renan, após o embate com a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), na sexta-feira, poderá não se abster e, então, votar a favor do impeachment.

Renan evita responder perguntas relacionadas ao assunto. Mas considera que o resultado do julgamento está traçado. "Tirando o presidente, todo mundo já está decidido", declarou.

De ambos os lados, as negociações com senadores seguiram no fim de semana. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta ainda reverter a tendência contra Dilma e garantir os votos para o retorno dela. Abstenção e ausência contam a favor da petista. Ela só é destituída se essa for a opinião de 54 senadores.

Nas planilhas, Temer pode perder um voto. Com tendência pró-impeachment, Wellington Fagundes (PT-MT) foi internado num hospital em Brasília com uma crise de diverticulite. Ele ainda não declarou o voto, mas está na lista do Palácio do Planalto, apesar de ser um dos que os aliados de Dilma assediam.

A estratégia da defesa da petista inclui ainda o pedido para fatiar a votação final do processo: uma sobre a perda de mandato e outra para analisar se ela ficará inabilitada para ocupar cargos públicos por oito anos.

Lewandowski não decidiu, mas muitos senadores não acreditam que a cisão será acatada.

Advogado da presidente afastada, o ex-ministro José Eduardo Cardozo reforçou no fim de semana que, caso o Senado confirme a condenação dela por crime de responsabilidade, vai recorrer a cortes internacionais para reverter o resultado e impedir a posse do vice.

Depois que todas as testemunhas foram ouvidas, Anastasia reafirmou entender que Dilma cometeu crime de responsabilidade ao editar decretos orçamentários em desacordo com a meta fiscal vigente à época e por causa dos atrasos nos repasses a bancos públicos.

Convocados pela ala a favor do impeachment, foram ouvidos: Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU); e Antonio Carlos Costa D'Ávila Carvalho Junior, ex-auditor de Controle Externo do TCU.

Do lado da defesa, prestaram depoimento o economista Luiz Gonzaga Belluzzo; consultor jurídico Geraldo Prado; Luiz Cláudio Costa, ex-secretário executivo do Ministério da Educação; Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda; e Ricardo Lodi, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Nenhum desses depoimentos contribuiu com uma única informação ou interpretação nova que pudessem ilustrar o processo.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4079, 29/08/2016. Política, p. A8