'Lei da Ficha Limpa parece que foi feita por bêbados', diz Gilmar

Carolina Brígido

18/08/2016

 

 

Para ministro, há confusão na hora de se decidir a inelegibilidade

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, criticou duramente ontem a Lei da Ficha Limpa. Durante julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar disse que a lei é malfeita e parece ter sido escrita por bêbados. Segundo o ministro, a norma não especifica qual tipo de conta dos prefeitos, ao ser rejeitada, deve ser considerada para torná-los inelegíveis — se são as contas de governo (avaliadas pelo Legislativo) ou as de gestão (avaliadas pelos Tribunais de Contas).

— Essa lei foi malfeita, eu já disse no plenário. Sem querer ofender ninguém, mas já ofendendo, a lei parece que foi feita por bêbados. É lei malfeita. Ninguém sabe se é conta de gestão ou de governo. E é uma lei tão casuística, ela queria pegar quem tivesse renunciado — comentou o ministro.

O ministro fez a crítica na sessão de ontem ao se iniciar um debate sobre julgamento concluído no plenário do STF na semana passada, quando ficou definido que, para ficar inelegível, um prefeito precisa ter suas contas rejeitadas pela Câmara municipal, e não apenas pelo Tribunal de Contas do município, como acontece hoje.

Segundo ministros do STF, as contas de governo são prestadas pelo chefe do Executivo e referem-se à gestão política da administração pública. Elas devem ser apresentadas ao Legislativo quando termina o mandato. As contas de gestão são prestadas pelos ordenadores de despesa, e não pelo chefe do Executivo, aos Tribunais de Contas.

Atualmente, a Justiça Eleitoral impede de ser eleito, com base na Lei da Ficha Limpa, o prefeito que tiver a contabilidade reprovada pelo Tribunal de Contas. Com o novo entendimento do STF, só ficará inelegível em outubro o prefeito que tiver as contas reprovadas pelo Legislativo, mesmo que já tenha uma reprovação prévia da Corte de contas.

Na semana passada, a decisão foi tomada por seis votos a cinco. Ontem, os ministros fixaram uma tese, que é uma espécie de enunciado da decisão, para ser aplicada por juízes de todo o país na análise de processos semelhantes.

Na sessão, o ministro Luiz Fux alertou para um problema: a mudança na jurisprudência poderá provocar uma avalanche de recursos à Justiça em ano eleitoral. Por isso, ele sugeriu que a regra só valesse a partir de 2018. Mas a sugestão de Luiz Fux foi rejeitada pelos demais integrantes do plenário.

INÉRCIA DOS VEREADORES

Durante a discussão, ministros do STF reclamaram da demora do Legislativo para analisar contas de chefes do Executivo. E alertaram para a importância de os parlamentares examinarem essas contas logo depois de terminado o mandato do governante.

— A inércia levou o Congresso Nacional a não examinar contas de vários presidentes da República — lembrou Celso de Mello.

— Hoje estamos com contas abertas do primeiro governo depois da Constituição de 1988 — completou Gilmar.

No entanto, ficou decidido que, se as contas não forem julgadas, o prefeito não pode ser considerado inelegível. Ou seja, ele não pode ser punido pela omissão da Câmara Municipal.

— O silêncio da Câmara não pode acarretar essa sanção gravíssima, que é a inelegibilidade — ponderou o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski.

 

 

O globo, n. 30327, 18/08/2016. País, p. 7.