Emoção deve dar o tom da fala de Dilma

 
29/08/2016
Andrea Jubé
Bruno Peres

 

A presidente afastada Dilma Rousseff preparou um discurso firme, mas carregado de emoção, para se dirigir aos senadores na sessão de hoje no Senado. O tom da fala foi ajustado, pela última vez, ontem à noite com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do PT, Rui Falcão, e os líderes do Movimento dos Sem-Teto, Guilherme Boulos, e dos Sem-Terra, João Pedro Stédile, no Palácio da Alvorada. A defesa de Dilma ganhará ares de superprodução cinematográfica: pelo menos três produções em andamento sobre o impeachment vão documentar o desempenho da petista e convertê-la em filmes, com potencial de exibição em festivais internacionais, a fim de reforçar a versão de que o impeachment teria sido um golpe.

Dilma e Lula fizeram esforços de última hora para reverter votos favoráveis ao impeachment. Na sexta-feira, o ex-presidente desembarcou em Brasília para uma conversa reservada com o senador Edison Lobão (PMDB-MA), que foi ministro de Minas e Energia nos governos dele e de Dilma. Em outra frente, no Alvorada, Dilma se reuniu por mais de duas horas com o senador Fernando Collor (PTC-AL), que sofreu um processo de impeachment em 1992, e renunciou antes do julgamento. Lobão e Collor já votaram a favor da pronúncia, que transformou Dilma em ré, há 20 dias.

Lula aconselhou Dilma a fazer um discurso mais político e emotivo que técnico. Ela passou os últimos dias preparando-se para perguntas ardilosas e provocações, na companhia de seu advogado, José Eduardo Cardozo, e de ex-ministros como Jaques Wagner (Casa Civil), Aloizio Mercadante (Educação) e Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário).

"Dilma não vai ao Senado para gravar para um documentário, ela vai se defender pessoalmente", afirma um auxiliar. "Ela está confiante e preparada para enfrentar até os senadores mais histriônicos", completa, citando como exemplo o senador Magno Malta (PR-ES). Malta está disposto a provocar: disse a companheiros de plenário que cantará "Deu pra ti, baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau", da dupla Kleiton & Kledir para Dilma.

Um aliado explica que Dilma dedicará uma parte de seus 30 minutos a contestar as manobras contábeis, que embasam o seu impedimento, mas vai ressaltar a proposta de um "pacto" por união nacional, desenvolvimento e justiça social, como definiu na carta aos senadores, seu compromisso com a realização de um plebiscito, a defesa da democracia, a ausência de crime de responsabilidade, e por essa razão, a configuração do "golpe".

Além de Lula e outras lideranças políticas, o compositor Chico Buarque e ex-ministros constam da lista de 35 convidados que Dilma acomodará em uma das galerias do Senado para acompanhar sua defesa. Do outro lado, a acusação também poderá convidar 35 pessoas. Fotógrafos e cinegrafistas formarão uma espécie de "muro humano" separando os convidados.

Dilma avalia falar antes aos manifestantes que a recepcionarão do lado de fora do Senado, produzindo imagens para os documentários em linha de produção. Várias manifestações estão sendo organizadas para reunir apoiadores de Dilma. Uma página no Facebook convida para uma "Caminhada com Dilma" até o Senado, a partir do Palácio da Alvorada, onde mora a petista. Quatro mil pessoas manifestaram interesse em participar, e duas mil confirmaram presença.

Além disso, a Frente Brasil Popular - que reúne movimentos sociais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), além do PT e PCdoB - espera atrair centenas de militantes para uma recepção a Dilma na entrada do Senado.

Enquanto Dilma estiver finalizando sua defesa, no início da tarde, o presidente interino Michel Temer também produzirá imagens favoráveis para sua gestão. Ele comemorá o desempenho do Brasil nos Jogos Olímpicos, ao lado dos brasileiros medalhistas, que recepcionará no Palácio do Planalto.

Os petistas reconhecem a dificuldade de reverter o processo e reconhecem que Temer já tem os 54 votos necessários para ser efetivado no cargo. Aliados de Temer contabilizam 60 votos favoráveis ao pemedebista. Sonham com o voto favorável do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que seria o 61º, segundo um líder pemedebista. Esse placar pode checar a 63 se virarem dois votos: de Otto Alencar (PSD-BA) e Telmário Motta (PDT-RR).

Há três documentários em realização sobre o processo de impeachment. A ofensiva cinematográfica virou do avesso a rotina no Congresso e chega a constranger alguns senadores. Aliados de Temer sentem-se "invadidos", cercados de câmeras por todos os lados, enquanto petistas prolongam os discursos de "denúncia do golpe".

O pioneiro começou a ser rodado em março pela cineasta mineira Petra Costa e capta diariamente imagens no Congresso Nacional. A segunda produção começou com o afastamento de Dilma do cargo, em maio. Uma equipe liderada pela cineasta Anna Muylaert - do bem sucedido "Que horas ela volta?", e pela diretora de publicidade Lo Politi (que trabalhava com o marqueteiro João Santana) - instalou-se no Palácio da Alvorada para documentar os últimos dias de Dilma no governo, com cenas da intimidade da presidente nessa reta final.

Anna Muylaert tem posição pública de "denúncia ao golpe". Um dos slogans pró-Dilma - "Democracia, que horas ela volta?" - é inspirado em seu filme mais famoso, com Regina Casé. Muylaert quer fazer um filme mais intimista, com foco na presidente mulher, vítima de um "golpe", e tendo o movimento feminista como pano de fundo.

O terceiro filme em produção é de Maria Augusta Ramos. Ela começou a gravar cerca de duas semanas antes da votação do impeachment na Câmara. Maria Augusta tornou-se reconhecida pelo documentário "Justiça", de 2004.

 

Dilma: em sua última ofensiva contra o impeachment, presidente afastada teve encontros com Collor e Lula

 

Valor econômico, v. 17, n. 4079, 29/08/2016. Política, p. A8