PT prepara-se para inédita contração

 

29/08/2016
Ricardo Mendonça
Cristiane Agostine

 

 

Um antigo colaborador do PT, conhecedor das entranhas do partido, recorre a uma expressão bélica e dramática para sintetizar o que entende ser o principal desafio da legenda para o próximo período: "O importante agora é fazer uma retirada organizada das tropas", afirma. "Não deixar que isso se transforme em debandada. O PT deve recuar, se reorganizar e, após um certo prazo, voltar a campo. Isso é retirada organizada. Os rivais querem debandada, com mil divisões, exposição pública de brigas internas e até cassação do registro do partido."

No PT, a lista de infortúnios graúdos e inéditos nunca foi tão opulenta. Além da provável confirmação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, há a delicada situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há meses na mira da Lava-Jato, o que poderá torná-lo inelegível; a prisão de alguns de seus mais importantes ex-dirigentes, como José Dirceu e o ex-tesoureiro João Vaccari; a rejeição recorde nas ruas; a perda de influência no âmbito da esquerda; a expectativa de revés sem precedentes nas urnas.

Os primeiros sinais da diminuição da sigla apareceram na lista de candidatos para as eleições deste ano. O PT deverá ter até 992 postulantes a prefeito no país, cerca de metade do que lançou em 2012. Se o desempenho dos inscritos for o mesmo de quatro anos atrás, um cenário considerado otimista, a votação nacional no partido cai pela metade. A tendência do PT, poucos discordam, é deixar de ser um partido grande e voltar a ser médio.

Algumas divisões politicamente graves ficaram evidentes no período recente. Menos de dez dias após Dilma encaminhar sua carta aos senadores defendendo a ideia de um plebiscito para convocação de eleições, a Executiva Nacional do PT a contrariou e, por 14 votos a 2, rejeitou endossar a proposta de plebiscito.

Outra divisão que ficou exposta foi quando parte da bancada apoiou o deputado Rodrigo Maia (DEM) no segundo turno da disputa pela presidência da Câmara. Adversário antigo do petismo, Maia foi um dos principais defensores do impeachment.

Ex-líder do governo Dilma, o deputado Arlindo Chinaglia (SP) vê um cenário desolador no pós-impeachment. Um dos principais problemas, diz, é a possibilidade de não serem feitas mudanças profundas nos rumos da sigla.

Para Chinaglia, há um engessamento na cúpula do PT que poderá ser mantido após o afastamento de Dilma. O grupo majoritário da sigla articula para que o núcleo político do governo derrotado, com nomes como os ex-ministros Ricardo Berzoini e Jaques Wagner, assumam cargos de comando no partido, o que, na sua avaliação, poderá fazer com que a crítica sobre o fracasso do governo fique em segundo plano.

Em entrevista ao Valor na semana passada, o ex-governador e ex-ministro Tarso Genro afirmou que o PT só tem salvação se abrir espaço para novos dirigentes.

Essa e outras discussões internas seriam discutidas em novembro, durante o encontro nacional do partido convocado pelo presidente da sigla, Rui Falcão, um dos poucos com bom trânsito em diferentes alas. Em decisão tomada na semana passada, o encontro foi adiado para março de 2017.

O mero adiamento potencializa desconfianças. Quem o defendeu, alegou necessidade de dar mais tempo para que, após as eleições municipais, as alas tenham melhores condições para se preparar. Uma parte dos que foram contra avalia que a mudança só foi feita porque o grupo interno majoritário estaria tendo dificuldades em suas posições, o que poderia enfraquecê-los no debate com outras tendências.

Entre as raras avaliações positivas que se faz no interior do PT, hoje, está a de que o partido acertou ao optar pela narrativa do golpe para explicar o processo político que resultou na ascensão do pemedebista Michel Temer à Presidência da República. Com eco em parcela da sociedade e no exterior, essa narrativa uniu militantes e simpatizantes e incomodou o novo governo.

A vitória de Dilma no Senado é tratada quase como peça de ficção no partido. Dadas as circunstâncias, em que todos contam com uma quase certa derrota nacional nas urnas, um triunfo do prefeito Fernando Haddad em São Paulo já é tratado como um cenário mágico por alguns petistas.

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"Partido se tornará médio ou pequeno", prevê Amorim

 

29/08/2016
Cristian Klein

 

Com o impeachment de Dilma Rousseff - cujo julgamento chega à reta final - há uma grande probabilidade de se encerrar o padrão de competição política que prevaleceu no Brasil nas duas últimas décadas. Para o cientista político Octavio Amorim, da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), a polarização entre PT e PSDB tende a se esvaziar na medida em que o PMDB ocupar o centro da cena, com a efetivação de Michel Temer no Planalto.

O destino do PT, afirmou em entrevista ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, é se tornar um partido pequeno ou médio, na próxima legislatura, como era antes de chegar ao poder central, em 2003. As grandes resistências a Temer estão na própria base aliada, especialmente o PSDB, cujos interesses maiores voltam-se para a sucessão do pemedebista.

A condescendência do mercado financeiro e da indústria com o claudicante ajuste fiscal - ainda que não ilimitada - deve permanecer, pelas "profundas afinidades ideológicas" com o novo governo. "Investidores e empresários não têm muito para onde correr politicamente", diz.

Para Amorim, a articulação de uma anistia para envolvidos na Operação Lava-Jato tem o potencial de se tornar um "desastre político". E a imagem que o impeachment deixará na história - se golpe ou um processo legítimo - ainda será alvo de uma longa disputa. "As grandes batalhas são travadas duas vezes. A primeira, pelos soldados; a segunda, pelos historiadores", cita Amorim. A seguir, leia a entrevista:

 

Valor: Que ameaças há à maioria legislativa de Michel Temer?

Octavio Amorim: O governo Temer tem tido, em média, quase dois terços de apoio no Congresso. É uma ampla maioria. Portanto, na Câmara dos Deputados, nenhum partido da atual coalizão governativa pode - sozinho - privar o Executivo de uma maioria absoluta. Apenas a bancada do PMDB no Senado poderia fazê-lo nesta Casa Legislativa, mas isso é extremamente improvável. Todavia, como os principais itens da agenda legislativa do governo dependem de emendas constitucionais e, consequentemente, de maiorias de 60% nas Câmaras Alta e Baixa, é claro que - excluindo-se o partido do presidente, o PMDB - a maior ameaça ao Palácio do Planalto vem dos maiores partidos da base aliada, isto é, o PSDB e as agremiações que constituem o núcleo duro do Centrão: o PP, o PR e o PSD. O PSDB pode causar problemas, se vir suas ambições presidenciais prejudicadas pela ascensão de líderes de outros partidos. O PP, o PR e o PSD poderão atrapalhar, se suas demandas pragmáticas e varejistas não forem atendidas.

 

Valor: Setores tolerantes na cobrança ao governo por ajuste fiscal, como o mercado financeiro e a indústria, tendem a redobrar pressão ou permanecerão condescendentes com as dificuldades de reforma?

Amorim: Governos liberais sempre recebem um bônus de confiança do mercado financeiro e da indústria por terem profundas afinidades ideológicas e sociológicas. Além disso, nos próximos dois anos, investidores e empresários não têm muito para onde correr politicamente. Assim, creio ainda haver reservas não desprezíveis, conquanto não ilimitadas, de tolerância para com o atual governo.

 

Valor: Os pouco mais de dois anos de Michel Temer consolidarão o esvaziamento da polarização PT x PSDB?

Amorim: Não é pequena a probabilidade de desaparecer a polarização PT x PSDB. Um eventual sucesso do governo Temer que fortalecesse o pleito presidencial do PSDB e a sobrevivência de Lula como candidato competitivo em 2018 poderiam manter essa polarização. Mas a combinação desses dois ingredientes tem uma probabilidade menor do que o fim do duopólio que os dois partidos têm exercido sobre as disputas para o Planalto desde 1994.

 

Valor: Qual o destino do PT, caso Lula não concorra em 2018?

Amorim: Há dois cenários óbvios para o PT: ou torna-se um partido médio ou um partido pequeno na próxima legislatura. É ainda difícil saber qual alternativa prevalecerá.

 

Valor: Quais os custos e benefícios para o PSDB ao apoiar Temer?

Amorim: Os benefícios são a recuperação do protagonismo nacional do partido e a possibilidade de, com um eventual sucesso do governo Temer, ver alavancadas as ambições presidenciais da agremiação. O custo é a reabilitação do PMDB como o centro de gravidade da política brasileira.

 

Valor: Que papel terá o Centrão na formatação da sucessão de 2018?

Amorim: As agremiações que constituem o Centrão moldarão a sucessão presidencial de 2018 de duas maneiras: primeira, contribuindo para fazer avançar ou naufragar a agenda de reformas que Temer proporá ao Congresso, afetando, consequentemente, o desempenho econômico do governo e a popularidade presidencial; segunda, escolhendo com que candidato presidencial se aliar.

 

Valor: De que maneira as eleições municipais podem vir a afetar os rumos deste governo?

Amorim: Se os principais partidos da base do governo (PMDB, PSDB, PP, PR e PSD) tiverem um desempenho frustrante nas eleições municipais, eles ficarão bastante arredios para apoiar as reformas mais ousadas de Temer em 2017.

 

Valor: De que maneira a permanência da Lava-Jato pode afetar o governo federal?

Amorim: Se líderes e ministros da atual coalizão governativa se virem gravemente envolvidos nas investigações, a popularidade e credibilidade do governo vão sofrer. Se, além disso, a economia não melhorar, a situação do governo ficará muito delicada.

 

Valor: Como um pacto, com anistia e reação legislativa à Lava-Jato, seria recebido pela população?

Amorim: Se não for muito bem pensado, comunicado e explicado, será recebido com enorme desconfiança. Poderá até ser um desastre político.

 

Valor: Que imagem o impeachment terá na história: a de um golpe ou de um processo legítimo de substituição do presidente?

Amorim: Costuma-se dizer que as grandes batalhas são travadas duas vezes. A primeira, pelos soldados; a segunda, pelos historiadores. O mesmo acontecerá com a destituição de Dilma. Nas próximas décadas, haverá uma enorme disputa político-acadêmica em torno da queda da primeira mulher presidente do país. A imagem do impeachment vai depender, em grande medida, do desempenho econômico do atual governo e dos esforços de Temer para pacificar a política nacional. Se a economia melhorar nos próximos dois anos e se Temer for um presidente conciliador e exemplar do ponto de vista constitucional, se formará um caldo bastante favorável a uma visão positiva sobre a suspensão do mandato de Dilma. Mas, mesmo assim, a controvérsia continuará.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4079, 29/08//2016. Política, p. A10