Juízes e procuradores cobram do STF decisão sobre 2ª instância

 
06/08/2016
Carolina Brígido


Diante do vaivém no Supremo Tribunal Federal (STF) em decisões recentes sobre a prisão de condenados em segunda instância, entidades de juízes e do Ministério Público cobram da Corte celeridade na fixação de uma regra definitiva sobre o assunto. Em fevereiro, o STF afirmou que um condenado em segunda instância deve começar a cumprir a pena de prisão. Mas a decisão valeu apenas para o réu que teve o recurso julgado. Duas ações de constitucionalidade aguardam a análise do STF. Se o entendimento for confirmado, a tese será aplicada em todo o país.

Mas o Supremo não parece ter pressa: a previsão é a de que a questão continue indefinida no país pelo menos até meados de setembro. 7 VOTOS A 4 A decisão de fevereiro foi tomada no plenário do STF por sete votos a quatro. Em junho, o mais antigo integrante do STF, o ministro Celso de Mello, que ficou no grupo vencido, deu habeas corpus libertando um réu que tinha sido preso depois de condenado em segunda instância. Argumentou que o princípio constitucional da presunção de inocência dava ao condenado o direito de recorrer em liberdade até a última instância.

Em julho, durante o recesso do tribunal, o presidente, Ricardo Lewandowski, mandou soltar outro réu na mesma situação. Na última quarta-feira, com o fim do recesso, o relator do caso, Edson Fachin, revogou a decisão e determinou a volta do réu para a prisão.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, elogiou a decisão de fevereiro. Ele criticou a atitude dos ministros que contrariaram a posição do plenário, e cobrou definição rápida do STF sobre o assunto, para dar um ponto final às polêmicas.

— A decisão do STF devolveu a racionalidade do nosso sistema criminal. Por que em todo lugar do mundo existe a presunção de inocência e só no Brasil é necessário esperar julgar todos os recursos antes de executar a pena? Os ministros têm o direito de dar decisões segundo suas opiniões, já que não foi dada repercussão geral à decisão de fevereiro, mas não acho positivo. Esse inconformismo da minoria não faz sentido: desrespeita a segurança jurídica e a posição clara da maioria. É preciso discutir isso em plenário o mais rapidamente possível — disse Robalinho.

Ele considerou inadequada a atitude de Lewandowski de desautorizar a posição da maioria dos colegas ao conceder a liminar no plantão do recesso.

O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), João Ricardo dos Santos Costa, apoia as prisões em segunda instância, e também quer definição breve da Corte, para acabar com a incerteza.

— Nós apoiamos a decisão do Supremo. Ela colabora bastante com a celeridade dos processos. Hoje existe a possibilidade de muitos recursos antes da prisão, e isso tem impedido a ação efetiva do Judiciário. Um mesmo processo tem 80, 90 recursos, o que inviabiliza a jurisdição — declarou Costa.

 

SEM CARÁTER VINCULANTE

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Carvalho Veloso, ponderou que os ministros do STF têm o direito de conceder habeas corpus a presos em segunda instância, já que o julgamento de fevereiro não teve caráter vinculante.

— Para resolver essa questão, basta o STF firmar o entendimento de que os fatos e provas transitam em julgado na segunda instância. A partir daí, o acusado não é mais presumivelmente inocente, devendo iniciar o cumprimento efetivo da pena — explicou Veloso.

Lewandowski não tem previsão de quando vai pautar as ações sobre o assunto. O mais provável é que o caso fique para a gestão da ministra Cármen Lúcia, que assumirá a presidência do STF em meados de setembro, para mandato de dois anos. As ações foram apresentadas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

 

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‘É algo que só existe aqui’

 

06/08/2016
Carlos Velloso
 

Por que o senhor é a favor da prisão após a condenação em segunda instância? O que precisa ser considerado é que a Constituição assegura o duplo grau de jurisdição. Isso quer dizer: o juiz que decide e o tribunal que examina essa decisão. A partir da decisão de segundo grau, os recursos não apreciam as provas, os fatos. Então, se os recursos a partir da decisão de segundo grau não examinam a justiça da decisão, quer dizer que a presunção de culpabilidade está abalada de tal forma que não é possível questionar mais esses fatos e provas. Ora, os recursos a partir daí não têm efeito suspensivo, não impedem o início da execução.

 

E quais são os argumentos políticos a que o senhor se referiu?

Deixar esperar o trânsito em julgado para iniciar a execução (da pena) é estimular a impunidade, é afrontar as vítimas dos crimes. Temos um número exagerado de recursos. Infelizmente, muitas vezes a demora em encerrar a questão penal ocasiona prescrição da pena, e a pessoa que cometeu o crime fica impune.

 

Quem é contra fala da superlotação do sistema prisional. O que o senhor acha?

Isso é um argumento falacioso. Vamos criar o reino da impunidade? Quem tem que resolver isso não é juiz, é o Poder Executivo. É quem tem a chave do cofre. Tem que construir presídio, mas como construir presídio não dá votos, ninguém constrói.

 

Como o senhor vê a divergência entre os ministros Ricardo Lewandowski e Edson Fachin sobre a questão?

O que o ministro Fachin fez foi restaurar a decisão que tinha sido definida em plenário. É normal ter divergências.

 

Como é a situação em outros países?

Aguardar o trânsito em julgado do processo para iniciar a execução da pena é uma jabuticaba brasileira, é algo que só existe aqui. Nos Estados Unidos, já se cumpre a pena com a decisão do primeiro grau. Mas, de modo geral, é com o segundo grau.

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‘Sistema prisional está falido’

 

06/08/2016
Luiz Flávio Borges D'urso
 
 

Por que o senhor é contra a prisão após a condenação em segunda instância?

A Constituição estabelece o princípio da presunção da inocência. Isso não pode ser flexibilizado. A decisão do Supremo flexibiliza esse princípio. O STF é o guardião da Constituição. Nesse caso específico, o tribunal não guardou este princípio. Quando vivemos momentos de crise, com mais rigor, o Judiciário deve observar a lei, especialmente a Constituição. Um sistema penal precisa de equilíbrio entre o Estado e o cidadão, o que se dá pelas garantias individuais. O mundo inteiro caminha, os países desenvolvidos em especial, para diminuir, o quanto for possível, a punição pelo encarceramento. Essa decisão vem na contramão mundial.

 

Como o senhor avalia o impacto da decisão do STF no sistema prisional?

O sistema prisional está falido no mundo todo, em especial no Brasil. Essa decisão do Supremo não leva em conta o caso prisional brasileiro. Portanto, não se pode admitir uma decisão que privilegia o encarceramento em detrimento de um princípio constitucional. Precisamos entender também que a Justiça dos homens é falível. O STF reforma em torno de 30% das decisões de segunda instância.

 

Como vê o debate sobre a impunidade?

Em outros países, quando houve endurecimento da pena e aumento do encarceramento, isso não refletiu diretamente para que houvesse diminuição dos crimes.

 

O excesso de recursos causa prescrição de crimes.

A prescrição não existe para beneficiar ninguém. Existe para punir o Estado, que não julga no tempo adequado, não cumpre sua obrigação. Portanto, quando um crime é objeto de prescrição, o Estado não foi eficiente.

 

Como compara o Brasil com outros países?

De modo geral, os países desenvolvidos têm sistema recursal eficiente. O nosso, comparado ao deles, não é ruim. O problema não está na lei, mas na execução.

 

 globo, n. 30315, 06/08/2016. País, p. 4