Uruguai acusa Serra de tentar compra de voto e aprofunda crise no Mercosul

Lu Aiko Otta

17/08/2016

 

 

Mal-estar diplomático. Segundo chanceler uruguaio, Nin Novoa, colega brasileiro ofereceu incluir Montevidéu em futuros acordos comerciais fechados pelo Brasil com terceiros países em troca da retirada do apoio à Venezuela; Brasília reage e convoca embaixador.

A crise do Mercosul subiu um degrau ontem, depois de o chanceler do Uruguai, Rodolfo Nin Novoa, afirmar, em conversa com deputados na semana passada, que o governo brasileiro tentou “algo como comprar” o voto de seu país, com o objetivo de impedir que a Venezuela assumisse a presidência do bloco econômico.

Em resposta, o Ministério das Relações Exteriores convocou o embaixador uruguaio no Brasil, Carlos Amorim Tenconi, a dar explicações. Na linguagem diplomática, isso significa que o episódio foi considerado muito grave.

O secretário-geral do Itamaraty, embaixador Marcos Galvão, expressou ao uruguaio “profundo descontentamento” e “surpresa”. Esses termos foram repetidos em nota divulgada horas depois, segundo a qual “o teor das declarações não é compatível com a excelência das relações entre o Brasil e o Uruguai.”

Aquilo que na versão do chanceler uruguaio foi uma tentativa de compra de voto foi, segundo o Itamaraty, um chamado a que os dois países explorem em conjunto as oportunidades de negócio em terceiros mercados.

Esse gesto foi feito pelo ministro das Relações Exteriores, José Serra, em visita ao presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez, no início de julho. Também participou da conversa o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Nos bastidores, diplomatas lamentaram a ocorrência desse incidente justo num momento em que as coisas pareciam caminhar para um acordo. O Uruguai, que vinha numa posição de divergência com Brasil, Paraguai e Argentina em razão de seu apoio à Venezuela, assinou no sábado, juntamente com os demais países do Mercosul, uma carta na qual eles constatam que Caracas não cumpriu o compromisso de internalizar, dentro do prazo (encerrado na véspera), o conjunto de normas do bloco econômico.

Esse alinhamento de posições foi visto como um passo positivo. No entanto, as declarações de Nin Novoa foram na direção contrária.

Do ponto de vista do governo brasileiro, o Uruguai ficou numa situação difícil. Diante do que disse o chanceler, se aquele país participar de qualquer acordo que venha a envolver também o Brasil, estará na condição de “vendido”.

Fontes avaliam que essa situação é insustentável. “A bola agora está com eles”, disse uma dessas fontes. “Os uruguaios vão ter de consertar isso.”

Na nota, o Itamaraty volta a atacar a hipótese de a Venezuela presidir o Mercosul. Ela afirma que ao Brasil interessa que o bloco seja fortalecido, “com uma presidência pro-tempore que tenha cumprido os requisitos jurídicos mínimos para seu exercício.”

A situação da Venezuela será tema de uma reunião entre os sócios na terça-feira, em Montevidéu. O governo venezuelano foi convidado. Na conversa com os deputados, Nin Novoa acusou o Brasil e o Paraguai de fazerem “bullying” com a presidência venezuelana.

Caracas autoproclamou-se no posto, mas o Brasil não reconhece essa situação. Para o governo venezuelano, a oposição ao país na presidência do bloco viola as normas internas do Mercosul.

PARA ENTENDER

Alternância na presidência

O regimento do Mercosul estabelece que a presidência do bloco deve ser revezada entre os países-membros por ordem alfabética a cada seis meses. Assim, o comando uruguaio deveria ter sido sucedido pelo venezuelano. Brasil e Paraguai alegam, porém, que a Venezuela não cumpre metas alfandegárias e de direitos humanos previstas no protocolo de adesão ao bloco e, por isso, não pode presidi-lo. A presidência permite que o país-membro seja sede das reuniões do bloco, mas as decisões do Mercosul só são efetivas após a concordância de todos os sócios.