Correio braziliense, n. 19368, 05/06/2016. Opinião, p. 11

Anvisa, Polícia Federal e cigarros eletrônicos

Por: Joaquim Falcão

 

Pode um site no Brasil vender, via internet, produto que aqui não pode ser comercializado e não pode ser fabricado? Essa é questão básica para muitos sites que comercializam cigarros eletrônicos, que contêm substâncias como nicotina, estão tendo que enfrentar. Em 2009, por meio da Resolução nº 46, a Anvisa proibiu a comercialização de cigarros eletrônicos. A venda de fluidos contendo nicotina, bem como dos aparelhos destinados à sua vaporização, por motivos óbvios foi proibida no Brasil. A nicotina favorece a proliferação de células cancerígenas.

É certo que tais vaporizadores para o fumo eletrônico podem ser usados com diversos tipos de fluidos. Com nicotina ou sem, em diversas concentrações. Com uma diversidade de sabores adicionais. O que nos interessa aqui é, justamente, quando são utilizados com essa substância cancerígena. A proibição determinada pela Anvisa se justificaria diante do princípio da precaução e da “inexistência de dados científicos que comprovem a eficiência, a eficácia e a segurança no uso e manuseio de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarro eletrônico”. Ou seja, é medida preventiva em favor da saúde do brasileiro.

Pois bem, no Brasil, que tem mais de 25 milhões de fumantes — 14% da população —, recentemente começou a florescer um comércio eletrônico onde se pode adquirir esses cigarros via internet. O que pode ser constatado acessando-se qualquer site de comércio eletrônico. Basta buscar no Google as palavras cigarro e eletrônico que pelo menos algumas dezenas de sites comercializando esse produto surgirão. Esse comércio funciona, em princípio, assim: o site de alguma maneira adquire os produtos no exterior, e depois revende no Brasil. São duas operações, portanto: do site, do importador com o fabricante, e, depois, do site com o consumidor brasileiro.

Ora, essa relação entre o site e quem fornece ao site corre o grande risco de se caracterizar crime de contrabando. É importação ilegal de mercadoria proibida no Brasil. O site teria que comprovar a origem legal do produto que vende ilegalmente. Difícil. A questão central, no entanto, não é fiscalizar lojas, ou fazer queima em praça pública das mercadorias apreendidas. Essa estratégia não funciona. A pirataria de CDs e DVDs está acabando não devido à repressão policial. Mas o principal responsável é o atraso tecnológico da indústria fonográfica que estimula a pirataria.

No fundo, o Brasil financiava, pela repressão, o atraso da indústria fonográfica não competitiva. O problema aqui é outro. E são dois. Primeiro, a questão do E-commerce de produtos ilegais por interesse público, por interesse da saúde pública. A questão não é o camelô de ontem, mas o destino do E-commerce de hoje. Um site que vende maconha é permitido? Um site que vende cocaína é permitido? Um site que vende fotos de pornografia infantil é permitido? É óbvio que são situações diferentes, de gravidades e intensidades distintas. Mas a ilegalidade é a mesma, bem como os órgãos de fiscalização.

Dois organismos do governo federal são responsáveis por controlar e investigar esta situação. A Anvisa, por sua competência de fiscalização e monitoramento em matéria de saúde pública. A Polícia Federal, que tem apreendido, principalmente em Foz do Iguaçu, esses cigarros eletrônicos, por ter como atribuição investigar o crime de contrabando.

Do ponto de vista internacional, a Organização Mundial de Saúde ainda está estudando os possíveis efeitos do cigarro eletrônico. Preparou relatório apontando para uma série de opções regulatórias, que indica cenário extremamente complexo, no qual o controle é necessário. Vai contra sua liberação indiscriminada. Nos Estados Unidos, essa nova modalidade de fumo começa a ser regulada nas esferas federal e estadual. O que importa, enquanto o Estado brasileiro não estabelece políticas nesse sentido, é saber como os cigarros eletrônicos e fluidos com nicotina chegam aqui, e são vendidos livremente nesses sites. Todo cuidado é pouco.