Legado de insegurança

Alessandra Duarte

07/08/2016

 

 

Capitais do Nordeste que sediaram a Copa enfrentam aumento da violência desde 2014

Apesar de terem recebido na Copa do Mundo os chamados Centros Integrados de Comando e Controle, para integração de órgãos de Segurança, as capitais do Nordeste que sediaram a Copa enfrentam aumento de criminalidade de 2014 para cá. Natal (RN) acaba de viver seis dias de ataques a ônibus, carros e prédios públicos, além de ameaças a autoridades — em atos ordenados de presídios não só do próprio estado, mas também de prisões de Paraíba e Ceará, segundo informou ao GLOBO a Secretaria de Justiça do Rio Grande do Norte. As outras três capitais nordestinas que foram cidades-sede da Copa também continuam a sofrer com a violência, segundo levantamento do GLOBO nas estatísticas de criminalidade das secretarias estaduais de Segurança. Em Fortaleza, cresceu o número de crimes violentos contra o patrimônio, de 21.171 de janeiro a junho de 2015 para 23.748 no mesmo período deste ano; na Região Metropolitana, os crimes violentos letais intencionais (homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte) foram de 393 para 438, de janeiro a junho de 2015 para o mesmo período em 2016. Em Salvador, de 2014 a 2015, o número de roubos de veículos foi de 6.373 para 6.537; roubo a ônibus, de 1.929 a 2.561; latrocínio, de 50 para 64. No Recife, que vinha apresentando melhora dos índices, também houve piora após 2014 no número dos chamados crimes violentos letais intencionais: subiu de 452 casos em 2013 (taxa de 28,8 por cem mil habitantes) a 514 em 2014 (taxa de 32,4), e a 571 em 2015 (taxa de 35,8). No Rio Grande do Norte, após ataques ordenados de dentro de presídios, numa retaliação pela instalação de bloqueadores de celular no presídio de Parnamirim — e que levaram o estado a pedir a presença do Exército —, foram detidos 108 suspeitos até o fim da tarde de sexta- feira. Segundo a Secretaria de Segurança informou na tarde de sexta, o último ataque no estado havia sido registrado à 1h da manhã de quinta. Ano passado, o RN já havia tido ataques ordenados de presídios; na época, sete presídios, entre eles Parnamirim, tiveram rebeliões com destruição de instalações pelos presos. No estado, de 2014 para 2015, apesar de os homicídios terem caído 10% (de 1.506 para 1.356 casos), os casos de lesão corporal seguida de morte, por exemplo, aumentaram 80%, de 75 para 135 casos. — Perdemos enorme oportunidade com a Copa. Tivemos investimento forte em tecnologia, mas não mudamos processos de trabalho. A integração não se dá com câmeras, mas estabelecendo práticas regulares de cooperação e intercâmbio de informações. Para isso, é preciso mudar culturas organizacionais nessa área, em que um órgão vê o outro como oponente muitas vezes — diz Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destacando que o projeto de lei 4.894/2016, tramitando na Câmara, pode auxiliar a integrar dados. — Ele cria uma Lei de Acesso à Informação para a Segurança, obrigando que os órgãos estaduais abram dados e os enviem à União numa linguagem padronizada. No caso do RN, Lima ressalta que “provavelmente falharam ações de inteligência que identificassem a tempo” que a onda de ataques estava por vir: — O papel da inteligência é antecipar ações, o que poderia ter ocorrido com integração real de informações, inclusive com a área prisional. — A lógica desses Centros de Comando instalados na Copa não produz necessariamente mais segurança; o monitoramento que realizam é só um dos elementos de uma política de Segurança. Para esse monitoramento ser usado para inteligência, teria de haver metas comuns entre órgãos de Segurança, com a definição do papel de cada órgão para que essas metas fossem atingidas — diz Luiz Claudio Lourenço, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador da área de Segurança. Lourenço sublinha que, na Bahia, não houve mudança na política de Segurança nos últimos anos: — O enfoque é no encarceramento por tráfico de drogas, com o argumento de que o tráfico é o maior responsável pela violência, sobretudo por homicídios. Muitos estados têm tido esse enfoque. Mas, na Bahia, de 2005 a 2012, apesar do aumento de prisões por tráfico, o número de homicídios cresceu. Isso porque mexer no funcionamento de grupos de traficantes gera violência. O funcionamento do tráfico é hierarquizado, em organizações, por isso você vê o que houve em Natal, com grupos que se mobilizam para ataques — diz Lourenço. — Não se investiga homicídio no Brasil, a taxa de resolução é em torno de 10%. Boa parte das prisões no país é em flagrante, e prender em flagrante por tráfico é mais fácil do que por homicídio. Isso não mudou de 2014 para cá. Coordenador do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade Federal de Campina Grande, o professor José Maria Nóbrega Jr. vê quadro semelhante em Pernambuco: — A integração na Segurança não se tornou política de Estado. Em Pernambuco, que havia melhorado com o programa Pacto pela Vida, indicadores pioraram. A violência no Nordeste continua a crescer, e não só na capital, mas também nas periferias, que continuam a ter crimes como assaltos a bancos com explosivos. Na região de Campina Grande, em Sumé (PB), há 3 meses explodiram o único banco da cidade. Segundo o Mapa da Violência 2015, a taxa de mortes por arma de fogo por cem mil habitantes cresceu 71,3% no Nordeste, de 2002 a 2012; no Sudeste, ela caiu 45% no período. Em Maceió, essa taxa era de 79,9 por cem mil habitantes em 2012, a mais alta, seguida de Fortaleza (69), João Pessoa (67,9), Salvador (55,3) e Natal (50,4). Já a da cidade de SP era 12,6; e a do Rio, 16,7. Ao GLOBO, a Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Norte disse que o Centro de Comando lá continuou a funcionar após a Copa e “tem sido essencial” para o controle dos episódios de violência da última semana. A secretaria destacou que, além do centro, conta com caminhões e ônibus com câmeras e computadores, usados, por exemplo, em manifestações. Sobre a integração com o sistema prisional, a Secretaria de Justiça do RN disse que “as reuniões entre governador, Sesed (Sec. de Segurança), Sejuc (Sec. de Justiça), Judiciário e Ministério Público acontecem na sala central de comando e controle. As instalações e tecnologias empregadas na segurança pública também são aplicadas ao sistema prisional”. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia disse que o Centro de Comando permaneceu em funcionamento, “contribuindo com atividades rotineiras policiais”. Mês passado, o estado inaugurou seu Centro de Operações e Inteligência de Segurança; o outro Centro, menor e que funcionava em um andar de outro prédio, foi mudado para lá. Sobre o aumento de violência, a secretaria criticou “a falta de padronização” dos dados: “Enquanto a BA e a maioria dos estados do Nordeste contabilizam todas as mortes violentas como homicídio, estados do Sudeste e Sul adotam postura diferente, nomeando crimes sem resolução como ‘mortes a investigar’, prejudicando a análise real e justa”. A Secretaria de Defesa Social de PE disse que o Centro de Comando lá também continuou a funcionar após a Copa. “Vem sendo bastante utilizado em eventos que demandem integração”, como jogos, manifestações e desastres. Apesar do aumento em índices de criminalidade nos últimos anos, a secretaria destacou a queda no número de homicídios no estado em comparação com 2007, quando começou o Pacto pela Vida. A secretaria ressaltou que “de janeiro a julho de 2016, a atuação das polícias Civil e Militar possibilitou a apreensão de 489 armas de fogo e a realização de 1.949 prisões na capital”. O órgão destacou, ainda, que “em 2015, Recife foi considerada, de acordo com o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, como a menos violenta entre as capitais do Nordeste”. A Secretaria de Segurança do Ceará não respondeu até o fechamento da edição.

 

 

O globo, n. 30316, 07/08/2016. País, p. 3.