Correio braziliense, n. 19369, 06/06/2016. Política, p. 2

Investigação mira na casa de Erenice

Força-tarefa acredita que compra de imóvel e informações financeiras podem explicar esquema de corretagem no Carf. Ex-ministra diz que recursos para compra de residência têm origem lícita

Pór: Eduardo Militão

 

A compra de uma casa avaliada em pelo menos R$ 4 milhões pela ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, revelada pelo Correio, servirá como pista para investigadores da Operação Zelotes traçarem o “caminho do dinheiro” que, acreditam eles, foi usado para cobrir serviços de “corretagem” e tráfico de influência por decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Como mostrou o jornal em fevereiro, Erenice adquiriu um imóvel no Lago Sul, em 2014, usando a intermediação de um contador, alvo da Operação Acrônimo, e de uma empresa controlada pelo marido. A ex-ministra disse ao jornal que comprou a residência com dinheiro de origem legal.

Erenice deixou a Casa Civil em 2010, após suceder a então candidata à Presidência Dilma Rousseff, por suspeita de tráfico de influência e corrupção. Em 2012, a maior parte das investigações foi arquivada, mas uma foi reaberta, conforme noticiou o Correio em 27 de março. Investigadores da Zelotes avaliam que a informação sobre a aquisição da residência é importante. Há mais de um mês, procuradores e policiais traçaram o que é preciso fazer para dar continuidade à apuração.

De acordo com um deles, a alegação de que a ex-ministra usou um intermediário para fugir de especulação imobiliária na compra do imóvel é frágil. Mas ainda há centenas de informações da quebra de sigilo bancário da ex-ministra para analisar. Ela está entre as cerca de 300 pessoas e empresas que foram alvo desse tipo de medida ordenada pelo juiz da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney Oliveira.

As informações que a Zelotes tem sobre os negócios de Erenice com o setor elétrico não passaram despercebidas pelos investigadores. No entanto, se houver indícios de irregularidades nisso, as evidências deverão ser enviadas a delegados e procuradores que atuam em outras operações.

Erenice tem relação com réus condenados da Zelotes. Em 2010, um laudo da PF relatou que ela que e seu irmão Antônio Carvalho “negociaram com José Ricardo Silva (ex-conselheiro do Carf) a nomeação de pessoas para ocuparem posições” no colegiado. Anos depois, José Ricardo, que era julgador no órgão, se uniu a Erenice na defesa da empresa de telecomunicação Huawei em um processo no próprio Carf. Investigadores da Zelotes dizem possuir uma mensagem de correio eletrônico que comprova que a ex-chefe da Casa Civil foi quem indicou José Ricardo para o conselho.

 

Recursos próprios

A assessoria da ex-ministra garantiu, em nota ao jornal, que comprou a casa com recursos próprios e não quis esclarecer se, eventualmente, usou dinheiro com origem no exterior. A residência foi registrada em nome da Gaya Participações, de propriedade do marido da ex-ministra, José Roberto Camargo. “Os recursos utilizados na compra dos imóveis são provenientes de receitas apuradas no exercício da advocacia, no Brasil, e do patrimônio aferido pelo presidente da Gaya ao longo da sua vida profissional”, informou a assessoria de Erenice.

“Como é do conhecimento público, o escritório Guerra Advogados Associados é referência no seu segmento de atuação jurídica. A sua movimentação financeira já foi, inclusive, amplamente divulgada pela imprensa, baseada em dados oficiais, o que por si só já comprovaria a legitimidade dos recursos necessários para a compra do citado imóvel.” A propriedade foi declarada à Receita, “na forma e no tempo hábeis”, segundo a nota.

A casa antiga foi demolida e uma nova está sendo construída. A assessoria não revela o custo da obra e o valor do imóvel com a nova edificação, que terá dois pavimentos. “Essa é uma informação de cunho estritamente particular, que está sendo e continuará sendo informada aos órgãos competentes para esse fim”, informou a nota. “O imóvel não foi adquirido com objetivo especulativo e sim, conforme já respondido ao Correio, para cumprir a função de moradia. A avaliação pedida caberia a um analista de mercado imobiliário.”

Em fevereiro, a obra não tinha placa informando o registro da construção. Após o jornal noticiar o caso, uma identificação foi afixada no portão. Segundo a assessoria da ex-ministra, a obra é executada seguindo “toda a regulamentação necessária”. Os assessores da ex-ministra destacaram que a Gaya é uma empresa de participações societárias;  portanto, não possui atividade comercial, endereço ou funcionários. “Tais empresas, conforme estabelece a lei, são constituídas para abrigar cotas de investimentos (ações e imóveis), tendo em geral como sede endereço de empresas participantes da sua constituição ou escritórios virtuais. No caso da Gaya, o seu endereço atual é um escritório virtual, devidamente informado à Receita Federal e aos demais órgãos.”

A assessoria de Erenice declarou que a ex-ministra “tem atendido a todas as solicitações de informações das autoridades relacionadas com o caso e continuará à disposição dessas mesmas autoridades para prestar todos os esclarecimentos necessários”.

 

R$ 4 milhões

Valor mínimo da casa de Erenice Guerra, segundo avaliação solicitada pelo Correio

 

Frase

“Os recursos utilizados na compra dos imóveis são provenientes de receitas apuradas no exercício da advocacia, no Brasil, e do patrimônio aferido pelo presidente da Gaya ao longo da sua vida profissional”

Nota de Erenice Guerra

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Três centenas de sigilos quebrados

 

A pedido de investigadores da Operação Zelotes, a Justiça de Brasília quebrou o sigilo bancário de cerca de 300 pessoas e empresas a partir do ano passado. São aproximadamente 2 mil contas bancárias para analisar, segundo apurou o Correio. Tudo tem que ser cruzado com mensagens de correio eletrônico, agendas apreendidas e depoimentos na apuração que foca numa organização criminosa que comprava a tramitação de medidas provisórias que reduziam impostos e julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ligado ao Ministério da Fazenda.

Em 9 de maio, a Procuradoria da República no Distrito Federal pediu ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o apoio de três analistas em dedicação exclusiva para a Zelotes. Um dos principais objetivos é avaliar o conteúdo de centenas de informações financeiras obtidas com autorização do juiz da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney de Oliveira. Além de Erenice Guerra, os dados se referem a ex-conselheiros do Carf, lobistas, operadores, advogados, funcionários públicos e políticos sem mandato, todos alvos da Polícia Federal e do Ministério Público.

Até agora, a Zelotes resultou em sete denúncias contra empresários, políticos e servidores. Há cerca de 10 inquéritos em andamento. Vallisney já condenou executivos da montadora Mitsubishi e lobistas como Mauro Marcondes sob acusação de “comprarem” a Medida Provisória 471/2009, que estendeu benefícios fiscais ao setor automobilístico. Todos negam as acusações. O ex-presidente Luiz Inácio da Silva e seu filho Luis Cláudio Lula da Silva são investigados em inquérito que apura se eles participaram da compra da MP 627/2013. Uma empresa do filho do petista recebeu R$ 2,5 milhões de Marcondes. Eles negam as acusações. (EM)