Correio braziliense, n. 19369, 06/06/2016. Política, p. 4

Cassação de Cunha põe a base aliada em xeque

Votação do relatório pela perda de mandato do presidente da Câmara ameaça desestabilizar articulação do Planalto na Casa

Por: Paulo de Tarso Lyra

 

A votação do relatório que pede a cassação do mandato do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), marcada para a quarta-feira, pode alterar de vez a correlação de forças na Casa com reflexos na base governista do presidente interino Michel Temer. A imprevisibilidade do resultado — o destino de Cunha está nas mãos da deputada Tia Eron (PRB-BA) — também mergulha o cenário legislativo na incerteza, em um momento em que o Planalto comemora a rearticulação dos aliados, após duas vitórias expressivas na Câmara: a alteração do limite da meta fiscal e a prorrogação da Desvinculação dos Recursos da União (DRU).

Tia Eron tem dito, em entrevistas e conversas com aliados, que a pressão exercida pelos eleitores será maior do que a promovida pelos seus pares. E que votará de acordo com a própria consciência, levando em conta as provas que constam na investigação sobre a existência de contas em nome de Cunha no exterior, objeto do pedido de cassação do peemedebista em análise no Conselho de Ética. Se ela ficar favorável a Cunha, decide a disputa por 11 a 9. Se votar pela cassação, o placar apontará 10 a 10 e o voto de minerva caberá ao presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PR-BA) — desafeto declarado do presidente da Casa.

Caso seja aprovada a cassação no Conselho, o relatório será analisado no plenário. Com votação aberta, em pleno ano eleitoral, as chances de Cunha de escapar da cassação diminuem, mas ele ainda conta com uma tropa de choque fiel e alinhada. Próximo a ele, o líder do governo na Casa, André Moura (PSC-SE), tem procurado se distanciar do padrinho e aproximar-se do núcleo palaciano desde que foi nomeado para o posto.

Temer terá outro imbróglio para resolver nesta segunda-feira. Ele deve reunir-se com o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Fábio Medina Osório, hoje, com Padilha. Medina balança no posto, ameaçado pelas reviravoltas na demissão de Ricardo Melo na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e por uma suposta carteirada para embarcar em um voo da Força Aérea Brasileira (FAB) para Curitiba.

 

Economia

O Planalto não quer marolas neste momento. Especialmente porque, após as aprovações das matérias de seu interesse no Congresso e a expectativa sobre o encaminhamento da proposta que limita o teto de gastos federais — o que deve acontecer na próxima semana —, o governo Temer espera ter acalmado o mercado, algo fundamental já que ainda patina na aprovação popular. Para melhorar a situação, o presidente em exercício concedeu aumentos para diversos setores do funcionalismo e não tem demonstrado receio de recuar na fusão de pastas. “Não queremos uma Esplanada inteira buzinando contra a gente”, admitiu um interlocutor de Temer.

“O presidente Temer tem demonstrado ser um especialista na articulação direta, a chamada pequena política. Resta saber se terá capacidade de exercer a grande política, reservadas aos estadistas”, afirmou o professor de ciência política da Unicamp Milton Lahuerta.

 

Frase

“O presidente Temer tem se demonstrado um especialista na articulação direta, a chamada pequena política. Resta saber se terá capacidade de exercer a grande política, reservadas aos estadistas”

Milton Lahuerta, professor de ciência política da Unicamp

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Corrida pelo espólio petista

Por: NAIRA TRINDADE

 

Na lapela do paletó, o bóton  identifica o parlamentar. Dezenas deles circulam diariamente no quarto andar do Palácio do Planalto, onde ficam os gabinetes dos ministros mais alinhados ao presidente em exercício Michel Temer à espera de serem recebidos. À direita está a sala do ministro de Governo, Geddel Vieira Lima, responsável por conter possíveis rebeliões no Congresso, manter votos favoráveis ao impeachment e cuidar da articulação política. Do outro lado, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, o homem da planilha, que ordena as articulações do governo.

Na linha de frente, o ministro baiano recebe em média 20 parlamentares por dia. Em duas semanas, pelo menos 150 passaram pelo gabinete em busca das mais variadas pautas. Cargos no segundo e terceiro escalão, nomeações, apoio político, prestígio, ajuda para conseguir recursos para melhorar a infraestrutura do município. Cada um, em sua particularidade, traz seu desejo para o ministro, que se desdobra para tentar atender. “É a briga da base. Antes, o governo brigava para acomodar 172 deputados. Agora, o governo tem que acomodar os 367 que votaram nele. Por isso, essa corrida ao gabinete”, explicou um interlocutor palaciano.

“A base deu para Temer uma situação que não deu para Dilma, que é e apostar em tudo. Deram para o Temer um cheque em branco, mas agora vão começar a cobrar a fatura”, afirmou um peemedebista próximo ao presidente em exercício. Ao apoiarem o vice-presidente na votação no processo de impeachment na Câmara, parlamentares apostaram numa alternativa de governo. Partidos que ajudaram o presidente em exercício foram realocados em cargos do primeiro escalão. “Agora, está na hora de nomear os outros escalões e cargos como Incra, Funasa e Conab são muito desejados nos estados”, definiu o  interlocutor.

“Tem que movimentar o tabuleiro inteiro. Tem que tirar os cargos dos petistas para atender à nova base que se formou. Enquanto Dilma passou um ano e meio para distribuir os cargos, o Temer precisa fazer isso rápido, porque não tem muito tempo de governo enquanto interino. Ele não pode deixar o governo cair na mesmice para evitar uma possível rebeldia”, afirmou uma fonte do Congresso. Por isso, o ministro recebe, inclusive, parlamentares que passaram 14 anos sem pisar no Planalto, por estarem na oposição. “A primeira reunião foi para saber quem é governo, quem não é, saber da estrutura do governo, mais um diagnóstico da bancada”, afirmou o deputado Izalci Lucas (PSDB-DF).

 

Comissionado

Um dos líderes da base aliada no Senado, o demista Ronaldo Caiado (GO) é um dos parlamentares que estiveram com o ministro Geddel na primeira semana da gestão Temer. “A gente conversou de reforma agrária, das pessoas que estão fora de cadastros, das informações de cargos comissionados. Só na secretaria dele, nós temos 1,4 mil funcionários comissionados. Acho que precisamos desvendar essas informações que estão todas no subterrâneo. Isso é fundamental para a gente poder trabalhar e desmascarar esse processo”, afirmou o senador.

Líder do PTB na Câmara, o deputado Jovair Arantes (GO) defende que a conversa que teve com o ministro Geddel foi “absolutamente republicana”. Pela agenda fornecida pela assessoria do ministro, Jovair se reuniu com Geddel às 12h30 da última quarta-feira, dia em que 30 autoridades lotavam os corredores do Palácio. Na pauta de discussão, o petebista garante ter vindo à tona o debate em relação aos cargos. “Foi discutido sobre a montagem de equipe. Neste período em que sou líder, tem que discutir os problemas da bancada”, enfatizou.

 

Frase

“Foi discutido sobre a montagem de equipe. Neste período em que sou líder, tem que discutir os problemas da bancada”

Jovair Arantes (PTB-GO)