Correio braziliense, n. 19367, 04/06/2016. Opinião, p. 11

Igreja e política

Por: Dom José Freire Falcão

 

A política, no sentido amplo, é tudo o que visa o bem comum dos cidadãos. No sentido restrito, compreende também projetos concretos de organização da sociedade, a militância político-partidária, a busca do poder. Embora a política seja inerente à vida humana, não esgota todas as suas dimensões. Daí que a Igreja tem o direito e o dever de evangelizar a política. Como? Iluminando as consciências com a mensagem evangélica, anunciando a palavra divina como fermento de transformação da sociedade e promovendo valores que inspirem a ação política, no sentido amplo e restrito.

A igreja participa da ação política, no sentido restrito, enquanto: oferece aos cristãos e às pessoas de boa vontade, em sua doutrina social, critérios para a construção da cidade terrena;  contribui para a formação da consciência dos cidadãos e o seu crescimento espiritual; denuncia, na ação política, posições éticas e religiosas contrárias às exigências da fé, como aborto deliberado e a eutanásia. Mas, não lhe cabe, por exemplo, julgar a legitimidade ou não de uma autoridade pública.

Como político, o cristão não pode: deixar-se instrumentalizar por princípios de um partido político contrários à sua fé; e ceder a posições radicais. Não pode também colocar a Igreja como instituição, seus organismos, seus movimentos eclesiais, suas comunidades de base, ao serviço de interesses político-partidários.

A missão da Igreja, nesse campo, se situa no nível das consciências, enquanto as forma pela mensagem evangélica. Mas respeita a autonomia própria do temporal neste campo importante da vida humana. Assim, propor o impedimento de um Presidente da República ou uma reforma partidária foge à competência da Igreja-instituição, a não ser que haja aspectos ético-religiosos.

Seria um desrespeito à necessária e justa autonomia da atividade política, se a Igreja orientasse os seus fiéis para determinado partido político ou se colocasse em posição a ele.

Primeiro, porque os programas partidários não têm valor absoluto para os cristãos. Segundo, porque a atividade político-partidária divide e a Igreja é sinal de unidade.  Sinal nesta terra do absoluto de Deus e de seu Reino, ao passo que as opções político-partidárias são sempre relativas e contingentes.

Neste momento preocupante e grave da nação brasileira, não cabe à Igreja aprovar ou não a deposição de um presidente, propor um programa concreto de governo. Nem tampouco, pronunciar-se sobre a inocência ou culpabilidade de pessoas acusadas de corrupção e de atitudes contrárias ao bem comum. Mas é seu dever “fazer um julgamento moral, mesmo em matérias que tocam ao domínio político, quando os direitos fundamentais da pessoa ou da salvação das almas o exigem, utilizando os meios, e estes somente, que são conformes ao Evangelho e em harmonia com o bem de todos, segundo a diversidade dos tempos e das situações” (Gaudium et Spes, 76$5 ).

Na medida em que desperta e forma a consciência dos cristãos e das pessoas de boa vontade para as exigências sociais da fé, prepara cidadãos, segundo suas opções políticas,  para servidores do seu povo nos poderes Legislativo e Executivo. A Igreja respeita as opções político-partidárias de seus fieis. Consciente de que não há programa partidário ou opção política que realize plenamente o ideal evangélico. É no comprometimento político que o cristão confronta as exigências de sua fé com a ação política.

Assim, na defesa intransigente da vida desde sua concepção até o seu ocaso; na oposição à eutanásia; na denúncia de uma política econômica-social que, em vez de promover a ascensão econômico-social de toda a população, contribui para a marginalização da grande maioria. É verdade, como disse Jesus,  que sempre teremos pobres entre nós (Mt 26, 11). Mas é possível uma sociedade sem extrema pobreza, onde o desemprego não seja tão elevado como entre nós, haja habitação digna para todos e não seja negado de fato o direito à saúde e à educação.

Na sociedade de consumo, o político cristão jamais pode desconhecer a opção evangélica pelos pobres e os que nada valem na sociedade de consumo. Devem ter sempre em mente e em sua atividade política essas palavras do papa Francisco: “A própria beleza do Evangelho nem sempre a conseguimos manifestar adequadamente, mas há um sinal que nunca deve faltar: a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e lança fora”

 

 

 

DOM JOSÉ FREIRE FALCÃO

Cardeal