No compasso do Supremo
Sem alarde e no momento em que se discute a definição da data do julgamento final da presidente afastada, Dilma Rousseff, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou ontem o projeto de aumento dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Caberá ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, presidir a sessão que selará o destino de Dilma.
O projeto prevê que os salários dos ministros do STF (teto salarial do funcionalismo público) passarão de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil, um reajuste de 16,3%. Esse aumento entraria em vigor em janeiro de 2017. Para este ano, o vencimento seria de R$ 36,7 mil. Há cerca de duas semanas, o presidente interino, Michel Temer, disse a aliados que a pressão de Lewandowski pela aprovação estava “insustentável”.
O Palácio do Planalto era contra a medida especialmente por causa do rombo que ela causará nas finanças dos estados, em função do efeito-cascata nas Justiças estaduais. O impacto previsto é de R$ 2,7 bilhões a R$ 3 bilhões ao ano. Mas auxiliares de Temer dizem que não deverá haver vetos. Temer tenta manter boa relação institucional com Lewandowski.
SESSÃO ESVAZIADA NA HORA DA VOTAÇÃO
A votação de ontem na CCJ, presidida pelo senador José Maranhão (PMD B-PB), ocorreu em cerca de um minuto, sem contestações e com o plenário da CCJ esvaziado.
Contrário ao reajuste dos ministros do Supremo, o senador tucano Ricardo Ferraço (ES), membro da CCJ, classificou de manobra a aprovação do reajuste. Segundo ele, havia apenas quatro senadores no momento da votação. Ele disse que tentará impedir a aprovação do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
— Estou estarrecido com essa manobra. Quando fui avisado de que votariam, foi o tempo de eu chegar lá, mas já tinham votado. É um escárnio aprovar isso — disse Ferraço.
No momento da votação, o painel da CCJ registava a presença de 25 senadores, mas a maioria já havia deixado a sessão, como Ferraço. Com a sessão esvaziada (mas com o quorum mantido graças às presenças registradas no painel), o reajuste foi aprovado.
Nos bastidores, a avaliação é que a aprovação do reajuste ajudará a distensionar o ambiente sobre a data final do impeachment, que se tornou uma queda de braço entre o Palácio do Planalto, o Senado e o Judiciário. Pelas regras, cabe ao presidente do STF definir a data de início do julgamento de Dilma.
Apesar da preocupação da área econômica, o líder do governo Temer no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), disse que a aprovação da CCJ não tinha “nada de mais”. Ele esteve na CCJ antes da votação e foi informado de que seria o último item da pauta.
Vários senadores que estiveram na CCJ se disseram surpresos com a rapidez da votação. Aloysio disse que a preocupação sobre o impacto financeiro será debatida na CAE e no plenário.
— Agora, na CCJ, não havia mais o que fazer. Já havíamos pedido vista coletiva. A CCJ aprova apenas a constitucionalidade da proposta, e o presidente do Supremo tem direito de apresentá-la. O problema está na questão econômicofinanceira do aumento, e isso será debatido na CAE. Não tem manobra nenhuma — disse Aloysio, que ainda tentava saber do Ministério do Planejamento o real impacto do novo aumento.
Além de Ferraço, outros senadores também haviam registrado presença na CCJ e, depois, correram para a comissão do impeachment, antes da votação do reajuste dos vencimentos dos ministros do Supremo. Randolfe Rodrigues (Rede-AP), por exemplo, esteve na CCJ pouco antes da votação, como relator de outra proposta.
— Nem vi que aprovaram. Eu votaria contra — justificou Randolfe.
Ferraço e outros senadores não quiseram dizer se a votação tem relação com a pressão da cúpula do STF pela aprovação e se haveria influência na definição do calendário definitivo do julgamento de Dilma. Mas a avaliação no Senado é que Maranhão não atua sem conhecimento do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Pela proposta, os R$ 36,7 mil valeriam a partir de junho, mas as regras orçamentárias estão proibindo o efeito retroativo no pagamento de reajustes. Como a proposta ainda passará pela CAE, antes de ir ao plenário do Senado, o avanço do projeto dentro da Casa foi considerado um sinal ao Judiciário, mas não há consenso dentro do governo e na base alidada sobre a conveniência do aumento.
A proposta original foi apresentada em 2015. Naquela ocasião, o impacto foi calculado em R$ 2,7 milhões no âmbito do STF e de R$ 720 milhões em todo o Poder Judiciário. Mas a proposta original foi modificada este ano, ao ser votada na Câmara. Ao defender o aumento no texto original, Lewandowski disse que o “efeito-cascata” não é obrigatório.
“Estou estarrecido com essa manobra. É um escárnio aprovar isso”
Ricardo Ferraço Senador (PSDB-ES)
BONDADES QUE CUSTAM CARO
META FISCAL: O ministro Henrique Meirelles prometeu “realismo fiscal” e déficit de R$ 170,5 bilhões para acomodar várias despesas. Mas a conta ficou mais salgada do que o previsto.
REAJUSTE DO FUNCIONALISMO: O governo apoiou a aprovação no Congresso de reajuste para categorias de servidores públicos federais que custará R$ 68,7 bilhões até 2018. Depois, cedeu para auditores da Receita Federal e delegados da PF e avisou que enviará a proposta de reajustes ao Congresso.
MINISTROS DO STF: A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o aumenta de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil do salário dos ministros. Isso terá efeito cascata sobre outras remunerações. O impacto estimado é de R$ 717 milhões por ano.
AUXÍLIO AO RIO. O governo socorreu o Rio de Janeiro com R$ 2,9 bilhões para a realização da Olimpíada.
DÍVIDAS DOS ESTADOS. O governo reabriu as discussões sobre a renegociação das dívidas dos estados com a União.
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A impaciência com o que chamam de frouxidão no comando da economia e a falta de espaço do líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), no núcleo duro do Palácio do Planato, além de movimentos em defesa da reeleição do presidente interino, Michel Temer, levaram os dirigentes do PSDB — aliados de Temer — a tornar pública a contrariedade do partido. Ontem, as críticas vieram na forma de ataques ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, visto como outro pré-candidato à Presidência em 2018.
Há dois dias, o Planalto vem desmarcando uma reunião para acertar os termos de coalização com a cúpula do PSDB. Os tucanos também não gostaram das declarações dadas no fim de semana pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-BA), que defendeu a reeleição de Temer.
NOTA DE TEMER NÃO CONVENCE
Essa desconfiança se manteve mesmo após Temer soltar nota na qual reitera, “uma vez mais”, que não cogita disputar a reeleição e que seus esforços estão voltados “exclusivamente” para garantir que o Brasil retome o crescimento econômico e seja pacificado.
Com o aval do presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), o senador José Aníbal (PSDB-SP) — suplente do ministro das Relações Exteriores, José Serra — subiu ontem à tribuna do Senado e, em discurso, fez duras críticas a Meirelles. Cobrou uma posição “inflexível” do ministro em relação a gastos e disse ter visto com surpresa sua declaração minimizando a flexibilização do projeto de renegociação das dívidas dos estados.
Aníbal disse que Meirelles deve melhorar sua comunicação. E lembrou que o projeto de renegociação e alongamento do pagamento das dívidas dos estados prevê, como contrapartida, limite de reajuste para servidores durante seis meses. Aníbal criticou recentes declarações de Meirelles:
— O ministro disse que são secundários os artigos que obrigam, dentro desse projeto, os poderes e órgãos estaduais a se enquadrarem em novas regras sobre limites de gastos com pessoal. E acrescenta: se essa discussão ficar para outro momento, não vai alterar a essência do ajuste fiscal. O ajuste fiscal é o teto (...) Não é o fato de se definir teto para o crescimento da dívida que vai resolver os problemas do profundo desequilíbrio das contas públicas que temos no Brasil — afirmou Aníbal.
EM DEFESA DA LRF
O discurso foi acertado no gabinete de Aécio. O PSDB quer defender as bandeiras do partido, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Para Aníbal, a flexibilização das regras de ajuste fiscal para alguns setores pode levar à redução de investimento em Saúde, Educação ou Segurança.
— Vivemos em uma situação em que as escolhas não são fáceis. São escolhas que nem sempre nos permitem compatibilizar os nossos desejos e os desejos fundados dos mais diversos setores que compõem o funcionalismo público. Os cidadãos que estão desempregados hoje, de uma forma ou de outra, continuam pagando impostos para que o país possa fazer face às suas despesas com pessoal, os seus investimentos com Saúde, Educação. Mas eles próprios estão sem renda alguma — completou.
Na mesma linha, o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), alertou para a necessidade de o governo acelerar a votação das medidas econômicas, como a reforma da Previdência. Ele disse que, passada a votação do impeachment, o governo terá uma janela muito pequena de prazos entre a eleição municipal e o fim do ano para sinalizar concretamente a aprovação dessas medidas.
— Agem como se a situação econômica estivesse resolvida, e não está. A crise continua gravíssima. Se o governo encerrar o ano sem entregar essas duas coisas, o país vai para o espaço — disse Cunha Lima.
Em reuniões nos últimos dias, os tucanos avaliam que há uma frustração em relação à participação do PSDB no governo. Dizem que Serra seria ministro com ou sem o aval do PSDB e que o ministro das Cidades, Bruno Araújo, apesar de fazer um bom trabalho, não dá visibilidade ao partido.
O globo, n. 30313, 04/08/2016. País, p. 3