O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconsidere a decisão em que mandou soltar o ex-ministro petista Paulo Bernardo. Segundo Janot, Toffoli ignorou as instâncias recursais inferiores — pelas quais o pedido de liberdade de Bernardo deveria ter passado primeiro —, decidindo de forma contrária aos precedentes do próprio STF e violando o devido processo legal.
“Respeitosamente, houve violação do devido processo legal”, escreveu Janot ao destacar que o caso não foi analisado por outras instâncias antes de chegar ao STF, como o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), com sede em São Paulo, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Caso Toffoli negue o pedido, o procurador-geral solicita que o caso seja levado para julgamento na Segunda Turma do STF, da qual também fazem parte os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Teori Zavascki.
Ele destacou também que os precedentes do STF devem ser mantidos, porque não existiria nada que justificasse o tratamento dado ao caso de Paulo Bernardo. E ressaltou que o próprio Toffoli, em outro caso, já decidiu que uma reclamação — o tipo de ação usado pelo ex-ministro — não pode ser usada para ignorar as instâncias recursais inferiores e levar o caso diretamente ao STF.
Contra Paulo Bernardo há suspeita de fraudes de R$ 100 milhões em empréstimos consignados de servidores federais. O dinheiro teria sido desviado por meio de contrato da empresa Consist, que havia assinado convênio com o Ministério do Planejamento, pasta que já foi comandada por ele. Em 29 de junho, Toffoli revogou a prisão, que havia ocorrido dias antes durante a Operação Custo Brasil. O ministro negou um pedido de Bernardo para que o caso dele fosse retirado da Justiça Federal de São Paulo e encaminhado para o STF, mas, de ofício, ou seja, por conta própria, determinou a revogação da prisão, “por reputar configurado flagrante constrangimento ilegal”.
Na época, o ministro criticou os fundamentos da prisão, como o fato de a Polícia Federal não ter localizado os R$ 7 milhões supostamente desviados por Paulo Bernardo. Isso seria motivo de prisão apenas se “houvesse demonstração de que o reclamante estaria transferindo recursos para o exterior, conduta que implicaria risco concreto da prática de novos crimes de lavagem de ativos”, escreveu o ministro. De acordo com Toffoli, a prisão preventiva deve evitar, essencialmente, o perigo de fuga, o que não teria sido demonstrado.
O ministro também não concordou que tenha ficado demonstrada a possibilidade de Paulo Bernardo interferir nas investigações caso continuasse solto: “a decisão do juízo de primeiro grau se lastreia, de modo frágil, na mera conjectura de que o reclamante, em razão de sua condição de ex-ministro e de sua ligação com outros investigados e com a empresa envolvida nas supostas fraudes, poderia interferir na produção da prova, mas não indica um único elemento fático concreto que pudesse amparar essa ilação. E, uma vez mais, a simples conjectura não constitui fundamento idôneo para a prisão preventiva”.
ADVOGADO DE EX-MINISTRO REBATE PROCURADOR
Por outro lado, Toffoli deu ao juiz federal Paulo Bueno de Azevedo, que havia mandado prender o exministro, a prerrogativa de definir medidas cautelares alternativas, como o monitoramento eletrônico e a obrigação de ficar recolhido em casa à noite e nos fins de semana. Toffoli também negou a volta do processo contra Paulo Bernardo para o STF, o que foi destacado por Janot. O caso estava inicialmente no tribunal, mas o próprio Toffoli e outros ministros decidiram no ano passado pelo desmembramento da ação, para que apenas a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), mulher de Bernardo, continuasse sendo investigada no STF. O caso dos demais investigados foi para a Justiça Federal de São Paulo. Na decisão em que mandou soltar Paulo Bernardo, Toffoli negou que tenha ocorrido usurpação de competência do STF. Em nota, o advogado Rodrigo Mudrovitsch, que defende Bernardo, rebateu Janot. Para o advogado, a manifestação da PGR não enfraquece “os respeitáveis fundamentos que embasaram a decisão do ministro Dias Toffoli”. “A prisão não reunia os fundamentos legais e a revogação foi mais do que acertada. Além disso, não houve qualquer supressão de instância. Há farta jurisprudência admitindo HC (habeas corpus) de ofício em sede de reclamação. Os precedentes indicados pela PGR a esse respeito não se aplicam ao caso”, diz a nota.
O globo, n. 30313, 04/08/2016. País, p. 7