Países do Mercosul vão discutir crise no bloco em Montevidéu

 

04/08/2016
Janaina Figueiredo

 

Representantes dos governos de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai se reúnem hoje, em Montevidéu, para discutir a crise desencadeada no Mercosul em torno da situação da Venezuela. A informação foi confirmada ontem pelo ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Eladio Loizaga, em Assunção. Segundo ele, o governo do presidente Nicolás Maduro disse que a reunião “não procede” já que não foi convocada pela Venezuela, que continua insistindo em se autoproclamar presidente pro tempore do bloco, apesar da enfática oposição de três de seus sócios (o Uruguai é o único que não se opõe).

Paralelamente, os presidentes de Brasil (Michel Temer, interino), Argentina (Mauricio Macri) e Paraguai (Horacio Cartes) se encontrarão durante eventos relacionados à Olimpíada do Rio e, segundo fontes brasileiras e argentinas, aproveitarão para conversar sobre a Venezuela.

— Brasil, Argentina e Paraguai concordam que a Venezuela está em dificuldades para ser membro pleno — declarou o chanceler paraguaio.

 

PAÍS TEM NORMAS A CUMPRIR

Tentando evitar responder diretamente aos ataques do governo venezuelano — que chegou a acusar os três países de estarem armando uma nova Operação Condor, em referência ao plano de ação conjunta das ditaduras dos anos de 1970 e 1980 —, Loizaga disse apenas que “nós vivemos num Estado de direito”:

— Não silenciamos os jornalistas, aqui existe liberdade de imprensa, liberdade de movimento e se respeitam as minorias. A democracia não é fácil.

O chanceler paraguaio questionou a decisão do Uruguai de encerrar sua presidência na última sexta-feira, sabendo que não seria possível transferir o posto à Venezuela, que, em teoria, deveria assumir o comando, de acordo com o calendário do bloco. A presidência do Mercosul é rotativa e muda a cada seis meses, por ordem alfabética.

— Poderíamos ter conversado um pouco mais e não deixar a bola quicando assim. Falamos com a Argentina e com o Brasil e temos de encontrar uma solução para esta acefalia — afirmou Loizaga.

Ontem à noite, em evento oficial transmitido pela TV estatal venezuelana, o presidente Nicolás Maduro voltou a afirmar que seu país está à frente da presidência do bloco.

— Somos presidentes do Mercosul e vamos exercer isto plenamente — disse Maduro.

 

ARGENTINA PODERIA COMANDAR

Hoje coordenadores e representantes das chancelarias de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai tentarão discutir, disse o ministro paraguaio, “o que fazer nos próximos seis meses”. Uma possibilidade é passar a presidência para a Argentina, que seria o país seguinte.

— Se vamos falar da questão jurídica, a Venezuela ainda deve cumprir várias normas vitais para ser membro pleno do Mercosul — frisou o chanceler.

O ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa dos governos Lula e Dilma Rousseff Celso Amorim criticou ontem a tentativa de isolar a Venezuela. Segundo Amorim, a solução para a crise do Mercosul “não é expulsar nem privar a Venezuela da presidência do bloco”.

Antes de dar uma palestra no Conselho Argentino de Relações Internacionais, Amorim afirmou que a saída não deve ser “condenar nem punir” o governo do presidente Nicolás Maduro, “a menos que o objetivo seja expulsar a Venezuela”.

— Se foi possível chegar a um acordo com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), e alcançar a paz na Colômbia, também um acordo entre os Estados Unidos e Cuba, acredito que é possível, embora difícil, um entendimento no Mercosul. O caminho deveria ser o diálogo — ressaltou Amorim.

Segundo o ex-chanceler, punir a Venezuela pode levar a “isolamento e radicalização”. Ele admitiu, contudo, que Caracas deveria “fazer alguns gestos” para facilitar um entendimento entre os sócios do bloco.

Amorim sugeriu, por exemplo, prazos para que o governo venezuelano incorpore e cumpra normas internas do Mercosul que ainda não internalizou. Nesse aspecto, ele lembrou que nenhum país do bloco “aplicou integralmente as normas do Mercosul”, como a tarifa externa comum (TEC):

— Se fosse por isso, todos estaríamos inadimplentes.

 

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Em crise, Venezuela vende petróleo barato

 

04/08/2016

 

A Venezuela não consegue alimentar sua própria população, nem garantir fornecimento regular de energia ou remédios para hospitais. Ainda assim, a economia do país na América Latina que mais encolhe continua a enviar petróleo subsidiado para o vizinho da região que cresce mais rapidamente.

A República Dominicana importou 631.009 barris da Venezuela nos primeiros quatro meses do ano, uma queda de 29% em relação a 2015, mesmo assim o país governado por Nicolás Maduro ainda é o maior fornecedor de óleo depois dos Estados Unidos, de acordo com dados do Ministério das Finanças dominicano. A nação caribenha paga cerca de metade da conta à vista, o restante é parcelado ao longo de 25 anos, com juro de 1% ao ano.

A generosidade é sintoma da relutância da Venezuela em abandonar a imagem de líder benevolente de uma revolta socialista regional contra o “imperialismo” americano, mesmo enquanto a economia do país implode.

Enquanto há falta de itens básicos na Venezuela, centenas de barris de petróleo barato ainda são enviados mensalmente para países de América Central e Caribe graças ao pacto energético chamado de Petrocaribe. O pacto foi estabelecido em 2005 pelo então presidente Hugo Chávez para compartilhar a riqueza do petróleo venezuelano com países que vão de Belize ao Haiti. Nicarágua e Cuba têm acordos separados, mas similares.

 

RECEITA COMPROMETIDA

E Maduro continuou com o programa apesar da queda no preço do petróleo, cortando a principal fonte de receita externa do país.

— Eles estão dispostos a derrubar a economia nacional por orgulho, em vez de dizer “Quer saber? Cometemos um erro” — avalia Jorge Piñon, diretor do Programa de América Latina e Caribe da Universidade do Texas.

E os cidadãos venezuelanos também criticam o Petrocaribe.

— É incrível que, com o país no estado atual, nós ainda vendamos petróleo barato para o Petrocaribe — reclama Felix Sardi, enquanto esperava na fila de um supermercado em Caracas.

 

O globo, n. 30313, 04/08/2016. Economia, p. 18