Correio braziliense, n. 19370, 07/06/2016. Política, p. 2

Parecer sob medida para salvar Cunha

Respostas do deputado Arthur Lira (PP-AL) a questionamentos sobre o andamento do processo de cassação de Eduardo Cunha abrem caminho para aliados do presidente afastado derrubarem o pedido em plenário

Por: Natália Lambert

 

Em semana decisiva para o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no Conselho de Ética, aliados se movimentam para salvar o mandato do colega. Em parecer protocolado ontem na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), o deputado Arthur Lira (PP-AL) sugeriu rito de votação que pode abrandar a pena do peemedebista e até causar o arquivamento do processo. A decisão está pautada para ser apreciada hoje na comissão, às 14h30, mas parlamentares contrários a Cunha já afirmaram que pedirão vistas e adiarão a votação para a semana que vem.

Mais cedo, às 9h30, começa o debate do parecer que pede a cassação de Cunha no Conselho de Ética. Até o fim da tarde de ontem, mais de 20 parlamentares estavam inscritos na lista de debatedores. Cada um terá 10 minutos para tratar da matéria, além dos líderes partidários, que podem pedir a palavra a qualquer momento. Como há sessão deliberativa agendada no plenário às 14h, a previsão é de que a discussão seja interrompida hoje e retomada amanhã.

Na última terça-feira, a pedido do deputado Wellington Roberto (PR-PB), o presidente em exercício da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), enviou à CCJC quatro questionamentos sobre processos político-disciplinares que orientarão o rito de cassação de Cunha no plenário. A primeira pergunta pretendia saber se, após a apreciação no Conselho de Ética, será votado um projeto de resolução ou o parecer do relator. Após longa explanação sobre o conflito de regras no regimento interno da Casa, Arthur Lira afirmou que o projeto será submetido à votação, entendimento contrário a casos anteriores em que o parecer foi ao plenário. A orientação é determinante para que a tropa de choque de Cunha possa defendê-lo, já que a projeto de resolução são permitidas emendas, mas para parecer, não. Este era o segundo questionamento de Maranhão.

A resposta da terceira pergunta também é favorável ao presidente afastado. De acordo com o relator, as emendas não podem agravar a pena do representado. A possibilidade permite que aliados briguem, no plenário, por uma punição mais branda, como, por exemplo, censura, suspensão do mandato ou, até mesmo, o arquivamento do processo.

Outro ponto do parecer de Lira favorável a Cunha abre espaço para o arquivamento sumário do processo disciplinar. Se o projeto de resolução — como defende Lira — não for aprovado com os 257 votos necessários, o representado é simplesmente absolvido. O entendimento em vigor até então na Câmara era que, caso um parecer do conselho fosse derrotado pelo plenário, o que seria colocado em votação na sequência seria a representação original dos partidos. No caso de Cunha, a representação do PSol e da Rede pede a cassação do mandato.

Membro da CCJC e do Conselho de Ética, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) afirma que o parecer de Lira era esperado e que pedirá vista na comissão. Com o pedido, o prazo para a matéria voltar à pauta do colegiado são duas sessões, adiando a decisão para a semana que vem. “É um parecer encomendado. Então, era previsível. Mas vamos viver cada dia com a sua agonia. Vamos nos concentrar na votação do Conselho de Ética e ganhamos um tempo para lidar com essa questão da CCJC.”

Delgado acrescenta que, se acatado pela comissão e pelo presidente Waldir Maranhão, ainda é possível apresentar recurso da decisão da CCJC em plenário, com a assinatura de 171 parlamentares. Outra opção seria recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Autor do parecer que pede a cassação de Eduardo Cunha no Conselho de Ética, o deputado Marcos Rogério (DEM-RO) afirmou que qualquer decisão tem de estar na baseada na Constituição Federal. “Quem define o plenário como foro julgador é a Constituição, não o regimento.” Cunha responde no Conselho de Ética a um processo de quebra de decoro parlamentar por supostamente ter mentido à CPI da Petrobras quando disse que não possuía contas bancárias no exterior.

 

Pressão

Com a possibilidade de ter que dar o voto decisivo da cassação de Eduardo Cunha, a deputada de primeiro mandato Tia Eron (PRB-BA) passou a tarde ontem em “reuniões”, segundo assessoria de imprensa dela. Um dos encontros foi com os colegas de partido. A legenda, que faz parte do chamado “centrão”, apoiou a eleição de Cunha para a presidência da Casa, e a bancada, de 22 parlamentares, foi favorável ao impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff. Na semana passada, Eron elogiou o relatório de Marcos Rogério e disse que votaria pela “preservação da moral na Câmara”. Ontem, ela não se pronunciou.

Dos integrantes do conselho, 10 já declararam voto contra a cassação de Cunha, e nove, a favor. A única que não se pronunciou é Eronildes Vasconcelos Carvalho, a Tia Eron. Se ela votar pela cassação, o placar ficará empatado e o voto decisivo será do presidente do colegiado, José Carlos Araújo, que é favorável ao relatório. O deputado Júlio Delgado espera que o voto da colega seja pela cassação. “Diante de todos os fatos, o relatório deveria ser aprovado por unanimidade. Eles estão tentando defender o indefensável.”

Para Araújo, as manobras de Cunha para atrasar o processo têm atrapalhado e o foco agora é conseguir votar. O parlamentar, porém, não arrisca previsões. “Onde há manobrista, não há expectativa.” O relator, Marcos Rogério, também não arrisca placares. “Minha expectativa é concluir no conselho esse processo e encaminhá-lo ao plenário, que é quem detém a competência constitucional para julgar. Manter esse processo por mais tempo no conselho é uma agressão à Casa”, afirmou. Procurada, a defesa de Eduardo Cunha não se manifestou. Entretanto, o advogado Marcelo Nobre já afirmou em outras ocasiões que entrará com recurso na CCJC se o relatório for aprovado.