Correio braziliense, n. 19370, 07/06/2016. Economia, p. 7

Inflação de alimentos volta a assustar o país

Carne e leite devem encarecer muito com alta do custo da ração que o gado vai consumir no inverno, pois o clima prejudicou a safra de soja. Milho subiu ainda mais nos últimos meses, pressionando também o valor de frango e ovos

Por: Rodolfo Costa

 

O preço da soja atinge em cheio o consumidor e tem obrigado analistas de mercado a rever para cima as expectativas de inflação. Em maio, o custo do grão avançou 12,38% e puxou a alta de 17,03% do farelo de soja, segundo dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Embora poucas pessoas costumem colocar esse produto no carrinho, a alta deve pressionar — e muito — o preço da carne e de outros produtos que vão para a cozinha.
Com a chegada do inverno, que se inicia no dia 20, os criadores precisarão gastar mais para alimentar os animais, em período de confinamento. Diante da expectativa de aumento de custos, o repasse será inevitável ao longo da cadeia de produção, o que deve manter a inflação pressionada. Reverte-se, assim, a tendência de desaceleração registrada entre fevereiro e março. Leite e derivados também deverão sofrer com o aumento de custos.
O milho também está em alta, ainda mais acentuada do que a soja, o que já impactou os preços de frango e ovos. Esses dois produtos subiram respectivamente 14,98% e 13,53% na prévia da inflação de maio, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15). A variação geral dos preços ficou em 9,62%. A carne bovina também subiu acima da média: 9,77%. Mas o maior impacto é o que está por vir.
Na avaliação do superintendente adjunto de Inflação do Ibre/FGV, Salomão Quadros, os efeitos da valorização da soja devem chegar ao consumidor final em dois meses. “Isso pode interromper o processo de recuo da carestia”, disse. O analista Márcio Milan, da Tendências Consultoria, não descarta que o movimento de alta da soja provoque um arrocho sobre os custos da carne ainda em junho.
Na quarta-feira, a saca com 60kg da soja foi vendida a R$ 89,11 no interior do Paraná, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o maior valor negociado na série histórica, iniciada em julho de 1997. Em relação ao mesmo período de maio, o aumento é de 13,9%. Na comparação com igual período do ano passado, o avanço é ainda maior, de 42,7%. A valorização foi tão forte que assustou o mercado, acostumado com uma alta em tal patamar apenas entre outubro e novembro, quando a oferta cai no país. O preço do milho subiu 7,93% em maio e, na comparação com o mesmo período do ano passado, a alta acumulada já é de 112,8%.
Se o preço da soja se mantiver nesses patamares, Milan prevê — em um cenário otimista — aumento de 0,50% no custo médio da carne em junho e de 0,70% em julho. Caso se confirmem essas variações de preço, o IPCA fechará em 0,33% este mês e em 0,44% o próximo. Ele admite, no entanto, que as projeções devem ser revisadas para cima diante da expectativa de pressão sobre os preços dos alimentos. “A depender da intensidade, a inflação deste ano pode passar dos 7% previstos”, vaticinou.
A perspectiva de alta nos preços preocupa a professora Fernanda Jacob, 41 anos, que já reduziu consideravelmente o consumo de proteína em relação ao ano passado. “Antes, comia carne quase todos os dias. Hoje, consumo em uma média de duas vezes por semana”, disse. E não é para menos. Ela calcula que os gastos com compras de supermercado subiram de 33% no período. “Se o preço se elevar ainda mais, aí que vou deixar de comprar mesmo”, lamentou.
O técnico em informática Gildo Giassi Junior, 27 anos, se queixa da diminuição na frequência das confraternizações. “Fazia churrasco com os amigos duas vezes por mês. Agora, só em ocasiões especiais”, afirmou Daniel.
Os fatores climáticos têm sido as principais causas da alta da soja. O excesso de chuvas na Região Centro-Oeste e no Sul comprometeu  a colheita dos grãos em importantes estados produtores, como Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul, e impactou em cheio a safra na Argentina. As estimativas são de que o país vizinho, o terceiro maior produtor mundial, tenha perdido entre 8 milhões e10 milhões de toneladas devido às intensas chuvas — uma redução de até 15% da colheita prevista. Sobra água em alguns lugares e falta em outros: também houve prejuízo por conta da seca intensa na região conhecida como Matopiba, que abrange áreas de cultivo no Maranhão, em Tocantins, no Piauí e na Bahia.
Os fatores climáticos não vão dar trégua. Ao contrário, devem-se esperar mais efeitos negativos, avalia o economista-chefe da MacroAgro, Carlos Thadeu Filho. Ele prevê que o fenômeno La Niña gere impactos no agronegócio a partir de outubro, especialmente na Região Sul. Dessa forma, Thadeu Filho mantém as expectativas de IPCA de 7,2% em 2016, mas elevou a projeção para 2017, de 5,5% para 6%. Outro problema é que os Estados Unidos anunciaram no início de maio que a área de plantio do grão será inferior à anterior, cedendo espaço para o milho. Com isso, o valor da soja deve continuar algo, assim como o da carne e do leite.

 

Juros altos
Para o sócio-diretor da MacroSector Consultores, Fabio Silveira, os estoques de soja e milho no mercado mundial atingirão os piores resultados em três anos, o que reforça a tendência de queda na oferta dos grãos e pressão sobre a inflação no Brasil. Com isso, ele prevê que o Banco Central (BC) postergue o corte da taxa básica de juros (Selic), previsto para junho. “Os juros vão cair, mas, talvez não cedam na velocidade desejável por causa desse incômodo representada pela alta dos preços agrícolas”, analisou.

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Mercado vê IPCA maior

Por: Antônio Temóteo

 

A profunda crise econômica e o aumento do desemprego têm sido insuficientes para frear a inflação no país. Dados boletim Focus, publicado ontem pelo Banco Central (BC), apontam alta das projeções. A mediana das expectativas do mercado para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2016 chegou a 7,12%, a terceira alta seguida. Se esse resultado se concretizar, será o segundo ano consecutivo de estouro do teto de meta, de 6,5%. Para 2017, os analistas projetam que a carestia terá elevação de 5,5%.
A economista Alessandra Ribeiro, diretora da Tendências Consultoria, explicou que algumas surpresas ao longo do ano explicam a resiliência da inflação. Segundo ela, o aumento nas taxas de água e esgoto e os reajustes nos preços de medicamentos afetaram o resultado do IPCA nos cinco primeiros meses de 2016. Depois, foi a vez de as quebras de safra na produção de soja e milho encarecerem os preços dos grãos que são matéria prima para ração.
Alessandra detalha que os choques de oferta podem levar a inflação a ficar acima de 7% em 2016 e essa dinâmica tem potencial para influenciar as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom). A economista ressaltou que a queda de taxa básica de juros pode ser adiada pelo BC caso a carestia não dê trégua. Ela estima que a Selic terminará 2016 em 12,75%, com o início do corte a partir de agosto.

Patamar elevado
Na avaliação do economista João Luiz Mascolo, professor do Insper, mesmo sem pressões cambiais e sem o reajuste de preços administrados na magnitude dos registrados no ano passado, a inflação se mantém em um patamar elevado. Ele ressaltou que as dúvidas em relação à capacidade do governo de reequilibrar as contas públicas têm afetado as expectativas do mercado. “O setor público continua a pressionar, com um deficit de R$ 170,5 bilhões”, disse.
Mascolo comentou que os reajustes nos contracheques de servidores públicos federais provocarão efeito em cascata nos salários dos governos estaduais e municipais. Para ele, as sinalizações do Executivo são contraditórias e têm potencial para prejudicar o processo de queda de juros.
Apesar de a inflação não dar trégua, as expectativas do mercado para o Produto Interno Bruto (PIB) indicam que pode haver melhora no próximo ano. Os analistas estimaram que a queda em 2016 será de 3,71%. Há uma semana, a estimativa era de retração de 3,81%. Para 2017, o mercado estimou que o crescimento será de 0,85%. Sete dias antes, a projeção aponta uma alta de 0,55%. “O mercado está mais confiante de que o governo conseguirá aprovar as medidas necessárias para a recuperação da atividade”, alertou o economista chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa.