Correio braziliense, n. 19370, 07/06/2016. Opinião, p. 11

Duas forças da democracia

Por: Cristóvam Buarque

 

A política tem por propósito servir como força aglutinadora dos interesses particulares dentro de uma nação e como força motora desta nação em direção ao progresso. Na democracia, a aglutinação se faz pelo diálogo e o respeito às leis. Lamentavelmente, nem sempre essa força consegue superar a força centrífuga do egoísmo e nem sempre a nação dispõe de uma força motora para o progresso. Além disto, quando a política não é capaz de mover a nação ao progresso, a sociedade fica para trás em pobreza, violência, desigualdade, desencanto.

O Brasil atravessa uma fase em que as forças centrífugas estão mais fortes do que as centrípetas e a inércia amarra o futuro. Ao olharmos ao redor percebemos o quadro de degradação, mas não vemos facilmente que estamos ficando para trás em relação às nações que entenderam a direção das forças do progresso e se organizaram para avançarem em direção ao futuro.

Para enfrentar a crise de hoje, vamos precisar equilibrar nossas contas públicas, recuperar a credibilidade nas instituições e lideranças, retomar a capacidade de diálogo entre posições divergentes, retomar o crescimento da produção e do emprego. A substituição do governo da presidente Dilma visaria este enfrentamento da crise imediata. Mas nada indica que ao sair da atual crise e imediata, o Brasil se orientará para seguir o rumo dos ares do progresso.

Não se vê um envolvimento na direção de manter um sólido e eficiente Sistema Nacional para o Conhecimento e a Inovação. Sem isso, continuaremos uma nação periférica, atrasada. O conhecimento exige uma educação de qualidade para todos, um sistema universitário comprometido com a ciência e a tecnologia de ponta, um empresariado inovador, um sistema bancário financiador de inovações.

Para estarmos em sintonia com os ares do tempo, precisamos fazer uma revolução na estrutura e nos compromissos de nossa máquina estatal. Será preciso publicizar o serviço estatal, servindo ao povo brasileiro, no presente e nas próximas gerações; a universidade estatal não pode servir apenas para fins privados de seus alunos e professores, financiada com recursos públicos. Ela deve ser publicizada para formar médicos, engenheiros, cientistas, filósofos, professores do ensino básico, que o Brasil precisa, servindo assim também como “Alavanca do Progresso” e não apenas como “Escada Social” de benefícios pessoais.

Nossas leis servem para beneficiar os atuais brasileiros e não ao futuro do Brasil. É preciso “desmordomizar” o Estado, que parece atender à elite de um império nababesco com excesso de gastos, privilégios, direitos e quase sem exigências de deveres dos seus dirigentes. É preciso que as leis trabalhistas e previdenciárias protejam também aqueles sem trabalho e aqueles ainda sem idade para aposentadoria, não apenas os que já estão trabalhando ou aqueles em vias de aposentar-se. É preciso também garantir sustentabilidade futura financeira e econômica às leis. Para isso, a gestão do Estado precisa levar em conta o futuro, as próximas gerações não apenas a próxima eleição, submeter-se às leis da aritmética ainda mais do que às leis da política; nossas escolas e hospitais estatais devem servir primeiro ao público e não aos governos, aos partidos, aos sindicatos dos servidores e fornecedores de equipamentos e remédios.

Mas nada disso será possível sem uma reforma radical na política. As remunerações e os direitos dos representantes do povo devem ter a cara da riqueza do povo: nos seus salários, nos serviços de educação e saúde que utilizam, nos benefícios que recebem financiados com recursos públicos do povo.

Os parlamentares precisam viver como vive o seu povo e sentirem-se representantes dos eleitores brasileiros, não uma casta distante, cuja preocupação central é manter privilégios privados dos cargos financiados com recursos do povo, por meio de sucessivas reeleições.

A operação Lava-Jato pode ajudar a consertar os crimes de alguns corruptos, mas não vai colocar o Brasil nos rumos de um futuro sem corrupção. Um juiz pode prender um político corrupto, mas não elege um político honesto: essa tarefa é do eleitor. Para isso, é preciso que o processo eleitoral tenha baixos custos; o foro privilegiado deve ser abolido.

 

Cristovam Buarque

Professor emérito da UnB e senador pelo PPS-DF