Correio braziliense, n. 19373, 10/06/2016. Política, p. 2

Mulher de Cunha nas mãos de Moro

Juiz responsável aceita denúncia do MP e torna ré a jornalista Cláudia Cruz. Ela será julgada em Curitiba pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Defesa quer que o caso seja apreciado pelo Supremo

Por: João Valadares

 

Na reta final do processo de cassação do mandato em tramitação no Conselho de Ética, o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), levou um duro golpe. Cláudia Cruz, mulher do peemedebista, virou ré na Lava-Jato. O juiz Sérgio Moro, à frente dos processos relativos à operação, aceitou denúncia do Ministério Público Federal. Ela passa a responder na Justiça Federal pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas envolvendo valores provenientes do esquema bilionário de corrupção na Petrobras.

De acordo com os procuradores da força-tarefa, Cláudia era a única controladora de conta na Suíça, que escondia parte da propina, em nome da offshore Kopek. A partir dos valores depositados nessa conta, a mulher de Cunha gastou com o cartão de crédito valores que ultrapassam US$ 1 milhão entre 2008 e 2014. Cruzamentos de dados apontam que 99,7% dos recursos depositados na conta foram provenientes de três contas de Eduardo Cunha: Triumph SP (US$ 1 milhão), Netherton (US$ 165 mil) e Orion SP (US$ 60 mil).

Grande parte dos recursos foi utilizada por Cláudia Cruz para pagar despesas com roupas, bolsas e sapatos comprados em lojas de grife no exterior. Outra parcela acabou destinada para despesas pessoais diversas da família de Cunha, entre elas, o pagamento de empresas educacionais responsáveis pelos estudos dos filhos do deputado afastado, como a Malvern College (Inglaterra) e a IMG Academies LLP (Estados Unidos). “Um tipo de lavagem de dinheiro foi pela ocultação no exterior desse mais de US$ 1 milhão que são fruto de propina, propina recebida pelo marido, Eduardo Cunha. Outro tipo de lavagem de dinheiro foi a conversão desse dinheiro em bens de luxo, ou seja, dinheiro público foi convertido em sapatos e roupas de grife”, destacou o coordenador da Lava-Jato, Deltan Dallagnol.

Na mesma denúncia, foram acusados Jorge Luiz Zelada, ex-diretor da Área Internacional da estatal petrolífera, pelo crime de corrupção passiva; João Augusto Rezende Henriques, operador que representava os interesses do PMDB no esquema, por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas; e Idalecio Oliveira, empresário português proprietário da CBH (Companie Beninoise des Hydrocarbures Sarl), pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A defesa de Cunha fez várias tentativas para retirar o caso de Cláudia Cruz das mãos do juiz Sérgio Moro. Os advogados queriam que a investigação fosse julgada pelo Supremo Tribunal Federal. A justificativa era de que as acusações estavam ligadas ao processo de Eduardo Cunha que tramita na Corte. Na terça-feira, um novo pedido foi feito pela defesa de Cláudia. O ministro Teori Zavascki, relator dos procedimentos no STF referentes à Operação Lava-Jato, ainda não se posicionou.

A força-tarefa da Lava-Jato identificou que a conta controlada por Cláudia Cruz recebeu parte dos valores de um suborno de US$ 1,5 milhão que Cunha teria cobrado para viabilizar a aquisição, pela Petrobras, de um campo de petróleo na costa de Benin, na África, em 2011.

 

Filha

Procuradores comprovaram, a partir de documentos enviados pelo Ministério Público da Suíça ao Brasil, informações obtidas por meio das quebras de sigilos bancário e fiscal e depoimentos de colaborações premiadas, o pagamento de propina num total de US$ 10 milhões (cerca de R$ 36 milhões) para que a aquisição do campo de petróleo na África fosse concretizada. O negócio foi fechado em US$ 34,5 milhões, o que significa que quase um terço do valor total foi destinado a pagamento de vantagem indevida.

Na denúncia, a força-tarefa da Lava-Jato ainda pede nova prisão preventiva de João Augusto Rezende Henriques e a fixação do montante mínimo para reparação dos danos causados em US$ 10 milhões (R$ 36 milhões). As investigações prosseguirão em relação a Daniele Ditz, filha de Eduardo Cunha, e a outros investigados, Jorge Reggiardo e Luis Pittaluga, que atuaram como operadores para abertura da conta Netherton.

 

Perfil

A voz do 102

A jornalista Cláudia Cordeiro Cruz, de 48 anos, era apresentadora de telejornais da TV Globo quando conheceu Eduardo Cunha no início da década de 1990. Ele era, então, presidente da Telerj, a estatal telefônica do Rio, cargo para o qual foi nomeado após atuar na vitoriosa campanha presidencial de Fernando Collor de Mello, em 1989.

Cunha já estava separado da primeira mulher, Cristina Bastos Dytz, com quem teve os filhos Felipe, Camila e Danielle Dytz da Cunha — esta também investigada pela Polícia Federal. Cláudia já havia sido casada com o jornalista Carlos Amorim, que trabalhou por 14 anos na TV Globo. Eles não tiveram filhos.

Após conceder entrevista à apresentadora, Cunha convidou-a a gravar mensagens para a Telerj, anunciando que o telefone chamado estava ocupado ou informando dados pesquisados por meio do serviço de consultas pelo telefone 102. A voz suave de Cláudia tornou-se conhecida no Rio.

A investida de Cunha terminou em casamento. Da união, nasceu Bárbara, hoje com 18 anos. Cláudia e a filha moram em um condomínio na Barra da Tijuca. Como deputado federal, Cunha se divide entre Rio e Brasília.

Cláudia iniciou a carreira na TVE, emissora pública federal que deu origem à TV Brasil, e se transferiu para a TV Globo em 1989. Apresentou diversos telejornais, como o Bom Dia Rio (entre 1989 e 1991), o Jornal Hoje (de 1992 a 1994), o Jornal da Globo e o RJTV 1ª e 2ª edições, além do Fantástico, Globo Ciência e Globo Comunidade. Em 2001, ela trocou a emissora pela TV Record. Na emissora paulistana apresentou o Jornal da Record 2ª edição. Em seguida, abandonou o jornalismo.

 

Processos

Ao sair da Globo, onde era contratada em regime de pessoa jurídica, Cláudia processou a emissora e conseguiu o reconhecimento do vínculo empregatício. A jornalista também processou o rapper Gabriel, o Pensador, que usou uma gravação da Telerj com a voz de Cláudia em uma versão da música 2345meia78.

Longe do jornalismo, Cláudia tornou-se sócia do marido em empresas como a Jesus.com e a C3 Produções Artística e Jornalística. Ela também é sócia do decorador e estilista Evandro Júnior, com quem abriu, em 2011, uma loja de quadros no Shopping da Gávea, na Zona Sul do Rio. Nas redes sociais, Cláudia exibia fotos de uma vida cercada de luxo e fortuna.