Correio braziliense, n. 19373, 10/06/2016. Economia, p. 7

Recuperar credibilidade é desafio de Ilan no BC

Economista assume o comando da autoridade monetária num momento de fortes pressões sobre a instituição. Meta de inflação não é cumprida desde 2009, custo de vida permanece alto e rombo nas contas públicas dificulta a queda de juros

Por: Paulo Silva Pinto e Antonio Temóteo

 

O modo afável de tratar as pessoas, sempre em voz baixa e frequentemente com um sorriso, não deve levar o interlocutor ao engano. Ilan Goldfajn é seguro do que quer e é firme ao expressar posições e cobranças. Vai depender bastante desses atributos na presidência do Banco Central (BC), da qual tomou posse ontem no Palácio do Planalto em cerimônia fechada — a transmissão de cargo, que receberá de Alexandre Tombini, está prevista para a próxima segunda-feira.


O economista assume a condução da autoridade monetária em um momento de grande pressão, devido à falta de credibilidade da política monetária. A inflação ficou acima do teto da meta, de 6,5%, em 2011, quando Tombini assumiu, e em 2015 — e bem próximo do teto nos outros anos. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) médio nesse período foi de 7,03%. Além disso, a política fiscal não tem ajudado, com deficit primário nas contas públicas desde 2014, o que aumenta a pressão inflacionária.


Ilan foi diretor de Política Econômica do BC entre 2000 e 2003. Mas só recentemente, como economista-chefe do Itaú Unibanco, ganhou do mercado o rótulo de dovish, por se alinhar entre os que acreditam que há espaço para a Selic, taxa básica de juros, ser reduzida no segundo semestre. Mas, durante a sabatina no Senado, na terça-feira, ele apresentou um sinal no sentido contrário. Destacou o compromisso de buscar o centro da meta, de 4,5%. Isso foi interpretado como uma indicação de que poderá ter uma atitude mais dura na condução da política monetária do que inicialmente previsto, o que significará a postergação do ciclo de redução e cortes menores da taxa.


Foi o que entenderam analistas das duas maiores instituições financeiras privadas do país — o Itaú Unibanco, no qual Ilan atuava, e o Bradesco —, que revisaram para cima a expectativa de redução da Selic, atualmente em 14,25% ao ano. Para os dois bancos, o ano vai terminar com os juros básicos a 12,75%, em vez dos 12,25% que projetavam inicialmente.


“Há uma interpretação errada no Brasil de que é bom ser hawkish e ruim ser dovish. Na verdade, são características que fazem mais ou menos sentido, dependendo da situação”, comentou a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. “Se Ilan entregar a inflação em 5,5% no próximo ano, saindo de 7,10% neste, já será um golaço”, afirmou.


Na avaliação dela, o novo presidente do BC procurará dar à instituição uma operação mais técnica do que se viu com Tombini. “Ele será menos previsível, o que é importante para que o mercado não anteveja os resultados”, disse Zeina. Isso será especialmente significativo, destacou, na atuação sobre o câmbio, no sentido de conter a volatilidade do dólar. Ao admitir conforto com uma taxa mais baixa, no Senado, Ilan provocou queda expressiva da divisa na quarta-feira, quando a moeda atingiu R$ 3,37, a menor cotação desde julho de 2015. Zeina disse duvidar, no entanto, que o novo presidente do BC persiga uma taxa de câmbio mais baixa, pois não terá controle sobre isso diante dos grandes movimentos globais de capital.


Para o ex-diretor do BC Carlos Eduardo de Freitas, que atuou ao lado de Ilan, a queda do dólar reflete também uma aposta em uma política monetária com maior credibilidade. “Isso se deve a ele, que tem grande reputação no Brasil e no exterior, e também ao presidente interino, Michel Temer, que demonstrou considerar as leis de mercado a melhor forma de organizar a economia. É diferente do que pensa a presidente afastada, Dilma Rousseff”, argumentou. Com a ressalva de que o governo emitiu sinais contraditórios ao apoiar o aumento salarial de funcionários públicos, Freitas vê mais chances de que Temer promova um ajuste fiscal pelo lado da despesa, abrindo espaço para a redução da taxa de juros.


O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), disse que Ilan sugeriu na sabatina que será cauteloso nos cortes da Selic. “Pouca coisa vai mudar na atuação do BC”, disse. Na avaliação dele, vários fatores deixam de ser levados em consideração no Brasil nas políticas cambial e monetária. No primeiro caso, o fato de que países grandes, como a China, adotam mecanismos de controle de capitais. Quanto aos juros, Belluzzo considera que 40% da taxa se deve a razões históricas. “Entre 1999 e 2013, houve superavit primário e, mesmo assim, a Selic ficou alta”, apontou.


Para o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, o preço do dólar nos últimos dias foi afetado pela decisão do Federal Reserve (Fed) de adiar o aumento dos juros nos Estados Unidos. O mercado aproveitou para especular como o BC vai lidar com essa situação. Para ele, o ideal é que o país tenha uma taxa de câmbio flutuante e que a autoridade monetária só faça intervenções para conter excessos de volatilidade. “Com o preço da divisa norte-americana nesse patamar é possível que Ilan aproveite para desmontar suas posições de swap”, detalhou, em referência às operações que equivalem à venda de dólares no mercado futuro e que foram usadas para reduzir as instabilidades do mercado.


Campos Neto ainda indicou que a principal missão do presidente do BC é cumprir a meta de inflação, o que não ocorre desde 2009. Ele alertou que o contexto é desfavorável para cumprir essa missão, com o rombo nas contas públicas e as incertezas em relação à aprovação de reformas no Congresso. “Temos ainda alguns choques de oferta que atrapalham esse processo. A missão será difícil.”

Pombos e falcões
Dovish é uma referência a dove, pombo, em inglês. Em linguagem figurada, significa que o economista admite uma política monetária mais frouxa, com taxa de juros mais baixa e uma inflação mais alta durante determinado período. O contrário disso é hawkish, alusão a hawk, falcão: os que tendem ser mais agressivos. Ao forçar mais os juros para cima, buscam uma convergência mais rápida para a meta de inflação, ainda que isso embuta custos mais altos de redução da atividade econômica.