Um dia de cara a cara entre Cunha e seus delatores

 
02/08/2016
Juliana Castro

 

O deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) esteve ontem cara a cara com três delatores da Operação Lava-Jato: os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró e o lobista Fernando Baiano. Os três foram ouvidos, no Rio, como testemunhas no processo que corre no Supremo Tribunal Federal contra o peemedebista. Na ação, Cunha é acusado de receber propina no caso da contratação de navios-sonda pela Petrobras.

Testemunha. Cerveró chega à Justiça Federal, no Rio, para depor na ação contra Cunha: ele disse sentir saudade da neta

Costa e Cerveró disseram ao GLOBO que confirmaram ao juiz tudo o que já tinham afirmado nas delações premiadas sobre o pagamento da propina a Cunha, e que não acrescentaram nada de novo.

A imprensa não pôde acompanhar a sessão. Na saída, Cunha, que chegou de surpresa à Justiça Federal, disse que pretende acompanhar todos os depoimentos do processo.

— Não tenho problema de ficar frente a frente com quem quer que seja, até para eu olhar bem. Da minha parte, nenhum (constrangimento). Tem o constrangimento de quem mente — disse. — Foram muitas contradições entre todos eles (Baiano, Cerveró e Paulo Roberto Costa). Muitas mentiras entre um e outro. Alguém mentiu. Não sei quem, mas alguém mentiu. Se eu disser (o que foi contraditório), vou estar me prejudicando, porque amanhã quem vier depor corrige.

 

ENCONTRO NO CORREDOR

Costa e Cerveró se cumprimentaram assim que se encontraram no corredor do prédio da Justiça Federal do Rio, quando esperavam para serem ouvidos pelos juiz instrutor do STF. O GLOBO conversou com os dois e com Baiano, que chegou depois.

Primeiro delator da Lava-Jato, Costa disse que o depoimento no processo de Cunha foi o de número 199 que ele prestou sobre o esquema de corrupção na Petrobras. Ele está contabilizando os dados porque começou a escrever um livro com a sua visão do escândalo.

— Vão ser 22 capítulos. Agora, estou escrevendo o décimo — disse o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, afirmando ainda que está em busca de uma editora.

Costa contou que, apesar de estar em regime semiaberto, não tem saído muito de casa. Vez ou outra, faz coisas rotineiras, como ir à farmácia. Também já conseguiu renovar a carteira de motorista, e veio de Itaipava ao Rio dirigindo o próprio carro.

Já Cerveró, que está em prisão domiciliar, usando tornozeleira eletrônica, emocionou-se ao lembrar que há oito meses não vê a única neta, que foi morar no exterior com o pai dela, Bernardo Cerveró. O filho de Cerveró gravou o senador cassado Delcídio Amaral incentivando a fuga do ex-diretor da Petrobras do país. Perguntado se ficou orgulhoso da atitude do filho, Cerveró não titubeou.

— Claro! Até o (juiz Sérgio) Moro elogiou — disse.

Mais calado, Baiano contou que resolver fazer a delação premiada por causa da família e também por conta do que a imprensa estava publicando. O lobista disse que foram feitos tantos perfis na internet que nem ele mesmo sabe qual perfil está valendo agora. Em prisão domiciliar, Baiano disse que tem passado o tempo lendo. Está com um livro sobre Martin Luther King.

Os três delatores foram ouvidos separadamente, e um não teve acesso às informações prestadas pelo outro. Costa e Cerveró falaram por cerca de uma hora. Baiano, o último a ser ouvido, depôs durante três horas e meia. O advogado de Baiano, Sérgio Riera, disse que ele narrou “toda a articulação, como foi feita a cobrança e o pagamento (de propina)”.

Em depoimento no Conselho de Ética, em abril, Baiano tinha explicado que as empresas estrangeiras que representava, como a Samsung, não faziam doações de campanha. Segundo ele, Cunha perguntou se o lobista não teria como ajudá-lo, e Baiano falou da dívida de US$ 16 milhões que tinha a receber do lobista Júlio Camargo, por negócios que intermediou junto à Petrobras. Baiano pediu ajuda a Cunha para receber o dinheiro, e combinou dar ao peemedebista parte do dinheiro.

— Ele (Baiano) falou como chegava o dinheiro e como era entregue. Chegava através de Alberto Youssef, a pedido de Júlio Camargo, e depois, os valores eram entregues no escritório do deputado. Era uma ajuda na cobrança da dívida. O deputado não tem nenhuma relação com a contratação dos naviosonda. Ele ajudou a cobrar o valor (da dívida de Camargo com Baiano). Segundo Fernando afirmou, (Cunha recebeu) entre R$ 4 milhões e R$ 5 milhões — disse o advogado de Baiano.

 

CASSAÇÃO EM DEBATE NA CÂMARA

A Câmara retomou ontem os trabalhos, mas, apesar da cobrança de parte dos líderes, o novo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não marcou a data de votação do processo de cassação de Cunha no plenário. Maia disse que ainda analisa a melhor data, mas que trabalha para que aconteça ainda em agosto.

Em almoço, líderes de partidos como PT, PSOL, Rede e PPS pressionaram Maia para que a votação aconteça rapidamente. Mas também há pressão de outros parlamentares para a sessão em plenário só aconteça após a votação do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff. Maia não quis sequer anunciar a possível data de leitura do processo em plenário, etapa regimental importante para viabilizar a votação. (Colaborou Isabel Braga)

 

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PMDB tentará antecipar votação do impeachment

 

02/08/2016

 

O PMDB, partido do presidente interino, Michel Temer, tentará antecipar o calendário do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, definido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. O ministro já acertou com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que a votação no plenário da Casa terá início dia 29 de agosto e terminará em 2 de setembro.

O senador Romero Jucá (PMDB-RR) se insurgiu ontem contra a decisão de Lewandowski. Disse que a data não foi combinada com os senadores e que a decisão não cabe ao STF. Jucá defende que o julgamento vá de 26 a 31 de agosto.

— Não vou aceitar isso, vou fazer confusão! Lewandowski combinou isso com quem? Ele não é senador. A decisão não é dele, é dos senadores. Temos uma reunião com ele quarta-feira, e espero que os líderes tenham coragem de dizer isso a ele, como estou dizendo. Este é o primeiro golpe parcelado da História, é o golpe Casas Bahia, a cada mês uma parcela de golpe — ironizou Jucá.

O dia 29 cai numa segunda-feira. Com isso, os senadores iniciariam e terminariam o julgamento na mesma semana, em vez de avançar até domingo.

Na comissão de impeachment deve ser votado quinta o segundo parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB). A expectativa é que diga que há provas para cassação definitiva. Os petistas Lindergh Farias e Gleisi Hoffmann e a peemedebista Kátia Abreu apresentarão juntos voto em separado. Vanessa Grazziotin (PCdoB) apresentará outro, ambos pela absolvição.

 

O globo, n. 30311, 02/08/2016. País, p. 6