Correio braziliense, n. 19372, 09/06/2016. Cidades, p. 21

Estupro coletivo assombra o DF

Três casos de estupro de meninas entre 11 e 15 anos, no último fim de semana, chegaram às mãos da polícia, que investiga as ocorrências. Duas amigas de Samambaia teriam sido dopadas, enquanto outra jovem foi embebedada do lado de fora de uma festa religiosa.

Por: Camila Costa

 

Três casos de estupro de meninas entre 11 e 15 anos, no último fim de semana, chegaram às mãos da polícia, que investiga as ocorrências. Duas amigas de Samambaia teriam sido dopadas, enquanto outra jovem foi embebedada do lado de fora de uma festa religiosa.

 

 A Delegacia da Criança e do Adolescente cuida do caso ocorrido na noite de sábado, no Park Way (Três casos de estupro de meninas entre 11 e 15 anos, no último fim de semana, chegaram às mãos da polícia, que investiga as ocorrências. Duas amigas de Samambaia teriam sido dopadas, enquanto outra jovem foi embebedada do lado de fora de uma festa religiosa) 

 

A Delegacia da Criança e do Adolescente cuida do caso ocorrido na noite de sábado, no Park Way

 

Fim de semana. Em Samambaia, duas amigas, uma de 11 e outra de 15 anos, saem para passear. No Park Way, uma jovem de 13 é deixada pela irmã em uma festa da Paróquia Imaculado Coração de Maria. Horas depois, a diversão se torna tragédia. As três acabam vítimas de estupros coletivos. Na primeira cidade, os suspeitos são amigos das famílias e usaram drogas para cometer a covardia. Na segunda, os supostos autores a incentivaram a se embebedar. Os casos mostraram que crimes, como o ocorrido no Rio de Janeiro (leia Memória), estão bem próximos dos brasilienses.

 

No início da noite de sexta-feira, a 32ª Delegacia de Polícia (Samambaia) registrou um dos casos. Os pais da criança de 11 anos e da adolescente de 15 seguiram até a unidade a fim de denunciar o desaparecimento das duas amigas. Às 23h, eles retornaram à DP com as meninas. Disseram que tinham sido vítimas de violência sexual, dopadas por remédio e induzidas a fazer o uso de álcool. Na delegacia, em depoimento, elas contaram ao delegado que encontram na rua dois homens, conhecidos das famílias, e eles as levaram para uma quitinete, onde a dupla acabou presa. “Houve o estupro. Prendemos os homens entre 0h e 1h de sábado e eles vão responder ainda por porte de armas e por oferecer droga a menores”, explicou o delegado-chefe da 32ª DP, Moisés Martins.

 

A polícia não dá detalhes para não expor as vítimas. “Ficou demonstrado também que as drogas foram usadas para que as meninas fossem abusadas, estupradas”, garante o delegado. Entre as drogas usadas pelos criminosos, uma é o Rohypnol, que produz o efeito popularmente conhecido como “Boa noite, cinderela” (leia Palavra de especialista). O caso das meninas de Samambaia tomou uma grande proporção depois do médico que atendeu a criança mais nova publicou o fato em uma rede social.

 

Alexandre Paz Ferreira, médico pediatra plantonista de pronto-socorro, recebeu a menina de 11 anos por volta de 5h, em um hospital particular de Taguatinga. Ela estava acompanhada do pai. Segundo o especialista, a vítima pouco falava, parecia em estado de choque e apresentava efeitos da droga. “Eu constatei o estupro com o depoimento dela. Eu acredito nos meus pacientes”, afirma. A publicação de Alexandre teve milhares de compartilhamentos, mas foi removida no fim do dia. “Era um desabafo pessoal. Acho bom ser divulgado, as vítimas precisam ter voz. A discussão é sempre válida”, alega. O Conselho Regional de Medicina analisa a abertura de uma sindicância para apurar a conduta dele. “Estou com a consciência tranquila e não considero que houve quebra de sigilo da paciente”, defende.

 

Park Way

 

A 23,7km de Samambaia, menos de 24 horas depois, outra criança, outro estupro. A menina de 13 anos foi deixada pela irmã na porta da famosa festa da Paróquia Imaculada Coração de Maria, no Park Way. A Festa da Padroeira reuniu cerca de 2,5 mil pessoas. A jovem, acompanhada de outros amigos, fez uso de bebidas alcoólicas. A Delegacia da Criança e do Adolescente 1, que investiga o caso, preferiu não dar detalhes do caso, também para preservar a vítima. Não esclareceu, por exemplo, se a menina ingeriu a bebida dentro da festa da igreja. Também não se sabe se os abusos, tratados até então como estupro de vulnerável, foram cometidos na rua, na festa ou na casa de alguma pessoa.

 

De acordo com a ocorrência policial, a menina começou a beber na porta da paróquia, até perder os sentidos. Teria acordado no dia seguinte, na casa de uma amiga, que a informou do estupro. O crime teria sido cometido por três adolescentes, também colegas da vítima. Os meninos teriam passado a mão nas partes íntimas da criança, enquanto ela estava desacordada. A família da menina é de Taguatinga e está desolada. Uma tia, que pediu para não ser identificada, preferiu falar pouco para não expor ainda mais a sobrinha. “Queremos o máximo de sigilo possível. Estamos muito abalados. São meninas, adolescentes, e precisamos ver o que de fato aconteceu”, confessa a tia, informando que a vítima passou por perícia, ainda sem resultado divulgado.

 

O responsável pela paróquia, diácono Abraão Neto, se diz surpreso com a situação e garante que a ação não ocorreu dentro da igreja porque havia muita segurança. Segundo Abraão, há comércio de cerveja dentro da festa, mas a bebida só é entregue a maiores de idade. A venda fora do local não compete à paróquia.

 

Entre janeiro e maio deste ano, a Secretaria de Segurança Pública do DF registrou 254 casos de estupros no DF. A chefe da pasta, Márcia Alencar, afirma que, nos casos de crianças e adolescentes e no ambiente escolar, um dos pontos mais importantes é o trabalho com a família. Segundo Márcia, é preciso haver um conjunto de ações de forma comunitária. “É necessário alertar para determinadas vulnerabilidades. Por exemplo: saber que não se pode aceitar bebidas e substâncias estranhas. Tem que procurar andar em grupo, evitar locais sem iluminação e estar sempre próximos de cuidadores, seja em ambientes escolares ou em qualquer outro.”

 

Débora Diniz, professora de direito da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em violência contra a mulher, ressalta que casos de estupros estão cada vez mais evidentes e a escola tem papel fundamental na educação desses assuntos. “É assustador como esses projetos de homens estão cada vez mais presentes na sociedade. Precisamos discutir violência e gênero”, aponta. Para ela, as novas denúncias demonstram que não há justificativas para o crime. “No caso da garota do Rio de Janeiro, sempre a questionavam e perguntavam onde ela estava e quem era. Em Brasília, a adolescente estava em uma festa da igreja, em um ambiente dito familiar. Não tem lugar e não tem quem é a vítima”, adverte.

 

Colaboraram Luiz Calcagno e Bernardo Bittar

 

Preso preventivamente

Um homem de 31 anos foi preso preventivamente pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), acusado de estupro, após um mês de investigação. Daniel Queiroz Batista, 31 anos, apelidado de Tarado da Asa Norte porque agia apenas naquele bairro. Segundo a polícia, existem três denúncias contra ele, mas apenas uma delas foi confirmada pelo laudo da perícia. As mulheres de que Daniel abusava tinham entre 20 e 30 anos de idade. “Só conseguimos encontrá-lo porque as vítimas foram à unidade policial fazer a denúncia. Essa é a parte mais importante do processo”, explicou a chefe da unidade policial, Ana Cristina Melo. Daniel Batista mora no Varjão, é divorciado e participava de uma banda na igreja que frequenta.

 

Tristes números

Levantamento da Secretaria de Segurança Pública e Paz Social do Distrito Federal sobre estupros na capital federal

 

Ano Casos

» 2012 — 915

» 2013 — 867

» 2014 — 777

» 2015 — 624

 

Em 2016

Entre janeiro e maio ocorreram 254 casos. No mesmo período do ano passado, 10 a mais.

 

» 60,3% dos crimes foram cometidos no interior de residência

» 13,8% em via pública

» 2% em ambiente escolar

» 3% em festas

 

Palavra de especialista

Notato Rodrigues, 

neurologista especialista em medicina do sono e professor da UnB

 

“O Rohypnol é um medicamento constituído de flunitrazepan. É usado em tratamento de ansiedade. Trata-se de um relaxante muscular e, eventualmente, pode ser receitado para ajudar pacientes com crises de insônia. No entanto, a minha especialidade é medicina do sono e não passo esse medicamento para os meus pacientes, mas há quem o faça. A droga tem, como efeito secundário, a amnésia. É um remédio metabolizado rapidamente, isto é, tem efeito rápido e provoca esse esquecimento, o que o torna visado por criminosos nos golpes de ‘Boa noite, cinderela’, por exemplo. O álcool potencializa os efeitos. Com a combinação, a pessoa dorme rapidamente e fica suscetível a ser roubada ou sofrer abusos. Ele (o Rohypnol) é eliminado pela urina poucas horas depois, mas ainda pode ser detectado em exames de sangue.”

 

Memória

Abusada por 33 homens

Recentemente, um caso de estupro coletivo contra uma garota de 16 anos chocou o país. A violência ocorreu no Rio de Janeiro, entre a noite de 21 de maio e a madrugada de 22, mas só veio à tona dois dias depois, com a divulgação do abuso nas redes sociais. Trinta e três homens teriam atacado a menina, que, inconsciente, não teve nenhuma chance de se defender. Os próprios criminosos publicaram as imagens na internet. Nos vídeos, a vítima estava sem roupa e desacordada, e eles se gabavam de terem violentado a adolescente repetidas vezes, enquanto manipulavam as partes íntimas dela. As investigações foram cercadas de polêmicas. A principal delas veio do primeiro delegado responsável pelo caso, Alessandro Thiers, titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática. Ele disse não haver indícios suficientes para concluir que a jovem tivesse sido estuprada. Após a declaração, a coordenação foi passada para a delegada Cristiana Onorato, titular da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima.