Correio braziliense, n. 19372, 09/06/2016. Política, p. 3

"Danos que podem levar anos"

Procurador que atua no TCU afirma à comissão do impeachment que Dilma utilizou bancos oficiais como "cheque especial"

 

O procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira — uma das testemunhas indicadas pela acusação ouvida na comissão especial do impeachment no Senado —, afirmou ontem “não ter dúvidas” de que há uma relação direta entre a maquiagem nas contas públicas e a crise econômica no país. Responsável pelas representações que levaram o TCU a condenar as pedaladas fiscais e a edição de decretos irregulares, Júlio considera que esses artifícios implicaram no aumento da dívida pública e na perda de confiança.

“Danos aos alicerces da economia brasileira que podem levar anos para serem recuperados”, disse. Para o procurador, Dilma cometeu uma “fraude democrática”, realizando feitos que não conseguiria manter com a arrecadação do período. “Tudo isso leva a uma dúvida sobre o compromisso do governo em ter uma postura coerente e correta para sustentação da dívida, porque se ela perde o controle os agentes econômicos serão penalizados, sofrerão em algum momento um prejuízo seja por uma reestruturação da dívida, seja por uma inflação fora de controle, algum ajuste acaba sendo feito, então o artifício das pedaladas que levou a uma expansão insustentável do gasto público está na raiz da profunda crise”, declarou.

Durante o depoimento, Júlio afirmou ainda que após a auditoria do TCU concluiu que o governo da presidente Dilma Rousseff utilizava instituições financeiras (BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica) como um “cheque especial” e uma “linha de financiamento” para gastos e despesas primárias do Executivo.

Depois de Júlio, os senadores ouviram o auditor do Tribunal de Contas Antonio Carlos Costa d’Ávila Carvalho, também indicado pelos autores da denúncia, os juristas Miguel Reale Jr., Janaína Paschoal e Hélio Bicudo. Até o fechamento desta edição, não haviam sido questionadas testemunhas indicadas pelos integrantes do colegiado. Do quadro de operação de crédito da Secretaria do Tesouro Nacional, foram escolhidos Rogério Jesus Alves Oliveira, Adriano Pereira de Paula e Otávio de Medeiros.

 

Perícia negada

Antes do depoimento, numa reunião bastante conturbada, aliados da presidente Dilma Rousseff tentaram aprovar na comissão especial do impeachment, pedido de perícia técnica para analisar os decretos suplementares sem autorização do Congresso e as chamadas pedaladas fiscais. O colegiado, formado em grande parte por senadores que defendem o impedimento da presidente, derrubou a proposta.

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, responsável pela defesa da petista, argumentou que a perícia era necessária para “esclarecer os fatos relacionados à inexistência de materialidade, de lesividade e de conduta típica, elementos centrais para que esteja definitivamente provada a inocência da senhora presidente”.

O relator do colegiado, senador Antônio Anastasia, chegou a acatar a proposta. “Não há problema até porque a opinião técnica não nos vincula a ela. A perícia pode ter uma conclusão e nós optarmos por outra posição”, afirmou. No entanto, houve protesto dos senadores que integram a base de sustentação do presidente interino, Michel Temer. Alegaram que o pedido de perícia era uma manobra para protelar o andamento dos trabalhos do colegiado.

Dilma encaminhou uma lista com 32 testemunhas para serem ouvidas na comissão especial de impeachment do Senado, que analisa o mérito do cometimento ou não de crime de responsabilidade por parte da petista. São oito para cada um dos quatro decretos suplementares, publicados sem autorização legislativa, que vão ser analisados pelo colegiado.

Houve protestos por parte da acusação, que apresentou cinco testemunhas, sendo três delas indeferidas. “Se a Justiça no Brasil adotasse este critério, de oito testemunhas para cada fato, não andaria nunca”, afirmou a advogada Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O ex-governador do Ceará Ciro Gomes, provável candidato à Presidência da República em 2018 e ex-ministro da Fazenda no governo Itamar, é uma das testemunhas listadas pela defesa da petista.

 

Frase

“Se a Justiça no Brasil adotasse este critério, de oito testemunhas para cada fato, não andaria nunca”

Janaína Paschoal, advogada que assina o pedido de impeachment de Dilma