Lu Aiko Otta
10/08/2016
Para José Roberto Afonso, ao afrouxar regras de controle de gastos, parlamentares fazem de conta que Estados não têm problemas.
O afrouxamento, na Câmara dos Deputados, do programa de ajuste fiscal proposto para os Estados é uma “política de avestruz”, afirmou o professor José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) e do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). “É enfiar a cabeça na terra e fazer de conta que o problema não existe.” Ele avaliou que os Estados brasileiros vivem uma crise muito profunda, e na raiz dela “certamente está a concessão de reajustes salariais e contratação de pessoal sem cobertura financeira”. A situação se agravou a tal ponto que muitos Estados não conseguem mais pagar a folha em dia – que dirá conceder aumentos.
Porém, o professor – um dos formuladores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – tem “sérias dúvidas” se proibir aumentos durante dois anos, como constava na proposta do governo para o projeto de lei complementar (PLP) 257, que trata da renegociação da dívida dos Estados e impõe a eles um programa de ajuste, resolveria o problema.
Isso porque já há legislação impondo limites nos gastos com folha salarial. Até mesmo a Constituição, lembrou, fala em limites para pessoal e inativos – mas muitos Estados não incluem as despesas com aposentadoria de funcionários em suas folhas, e com isso registram gastos salariais menores do que o efetivamente ocorrido.
“O problema não é falta de lei; é cumpri-la”, diz Afonso.
Segundo o especialista, no que se refere a despesas, os primeiros a mudar a interpretação da lei são justamente aqueles que deveriam ser seus guardiões: os tribunais de contas, os judiciários estaduais, as assembleias legislativas e os ministérios públicos estaduais.
“Deveríamos aproveitar a oportunidade para discutir isso.” Para Felipe Salto, especialista em contas públicas, a última versão do PLP 257 apresentada pelo governo é boa. “Mas, se houver afrouxamento, o último a sair apague a luz.” Diferente de Afonso, ele considera fundamental manter a proibição dos reajustes por dois anos, pois essa é a razão principal da deterioração das contas estaduais.
Mas a exclusão, do projeto de lei, dos dispositivos que alteravam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – que será alvo de um novo projeto – foi vista como positiva por Afonso. “Excelente a ideia de separar a LRF da repactuação da dívida”, comentou.
“Uma coisa é a renegociação das dívidas, que é uma meia-sola para uma situação que se tornou incontornável, e outra é a LRF, uma legislação que vale inclusive para os Estados que não têm dívida.”
PARA ENTENDER
Projeto desidratado
pelo governo federal em junho. Sem fôlego financeiro para pagar suas dívidas com a União, os governos estaduais conseguiram, pelo projeto, alongar o prazo de pagamento dos débitos por mais 20 anos, além de não precisarem quitar nenhuma parcela da dívida até dezembro – a partir do ano que vem, essas parcelas também teriam um desconto, que seria reduzido até voltar ao normal após 18 meses. Em contrapartida, os Estados teriam de limitar o aumento dos seus gastos à inflação do ano anterior e ficariam impedidos de fazer novas contratações ou dar aumentos de salários aos servidores por dois anos. O projeto também previa a unificação da forma como a despesa com pessoal é contabilizada. Boa parte dos Estados não considera, por exemplo, gastos com terceirizados, aposentados ou benefícios como despesa com pessoal. Com isso, conseguem se manter, pelo menos oficialmente dentro do que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita os gastos com servidores a 60% da receita. Nas discussões na Câmara, porém, a única contrapartida que restou foi o limite ao aumento dos gastos.