A perder de vista

 
01/08/2016
Bruno Rosa
Ramona Ordoñez

 

Donos de mais da metade das dívidas do Grupo Sete Brasil, os cinco maiores bancos do país só devem receber de volta parte dos recursos investidos após 2029. De acordo com a lista de credores do processo de recuperação judicial da companhia responsável por construir sondas para explorar o pré-sal, Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú BBA e Santander somam dívidas de R$ 10,194 bilhões. Isso representa 52,81% do total de débitos, que somam R$ 19,3 bilhões.

Esses bancos estão participando das negociações para a execução do plano de reestruturação do Grupo Sete Brasil, empresa criada em 2010 pelo governo para viabilizar a construção no país de sondas para o pré-sal. A empresa pediu recuperação judicial em abril. Segundo uma fonte, Petrobras e Sete já tiveram algumas reuniões intermediadas pelo advogado Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), contratado como mediador.

As discussões entre as empresas giram em torno do número de sondas a serem encomendadas pela estatal e o valor do custo de aluguel de cada uma, disse essa fonte. De um lado, a Sete quer fazer valer os contratos iniciais, firmados entre 2011 e 2012, que previam 28 unidades. Do outro, a estatal quer reduzir esse número, embora não tenha um número predefinido na mesa das negociações.

— Isso porque o número das sondas vai depender do seu custo de aluguel. E os bancos estão participando dessa negociação, já que eles, por serem credores, terão de aprovar o plano de recuperação na Assembleia de Credores, que deve ocorrer em novembro deste ano, se tudo der certo. A previsão é que um plano seja apresentado até o fim de agosto — disse essa fonte.

Dentro dessas negociações, a maior preocupação dos bancos é que o plano consiga tornar a fabricante de sondas uma empresa viável:

— O pleito dos bancos é que o fluxo de caixa da Sete Brasil consiga arcar com suas dívidas. O plano prevê uma carência de três a cinco anos para começar a receber o dinheiro de volta. Além disso, prevê um alongamento do pagamento da dívida em mais de dez anos — antecipou essa fonte.

 

BANCOS DETÊM 85% DO CRÉDITO NO PAÍS

Na lista de credores, o BB tem dívidas de R$ 3,669 bilhões. Em seguida aparecem Itaú BBA, com R$ 1,981 bilhão, Caixa, com R$ 1,618 bilhão, além de Santander e Bradesco, com R$ 1,463 bilhão cada. Essas cinco instituições, diz João Augusto Salles, economista da Lopes Filho & Associados, representam 85% do crédito do sistema nacional. Segundo ele, os bancos já vislumbravam a situação da Sete Brasil em setembro de 2015. Foi nessa época, explica, que as instituições financeiras começaram a aumentar o provisionamento. E, ao longo deste ano, essas reservas foram consumidas, com a deterioração ainda das empresas de construção civil, envolvidas na Operação Lava-Jato, e de telecomunicações, como a Oi, que também entrou em recuperação judicial.

— Esse impacto negativo ocorreu no primeiro semestre e deve continuar até dezembro. O maior problema dos bancos hoje são as grandes empresas. O Banco do Brasil, que é o mais exposto à Sete Brasil, já teve seus resultados afetados no primeiro trimestre, e esse movimento deve continuar no segundo trimestre. A tendência agora, com a expectativa de queda dos juros em 2017 e do recuo do dólar, é de uma redução no provisionamento — explicou Salles.

Procurados, os bancos afirmaram que não comentam casos específicos por causa de sigilo fiscal. Nos bastidores, há muitas dúvida ainda sobre o futuro da companhia.

— Já damos esse investimento como dinheiro perdido — disse o presidente de um dos bancos.

O projeto da Sete Brasil, que hoje é motivo de lamentação para os investidores, nasceu pelas mãos do Santander, contratado pela Petrobras em 2008 para montar a estrutura financeira. O objetivo da estatal era criar uma empresa fora de seu balanço financeiro para viabilizar a exploração do pré-sal sem que isso afetasse o seu nível de endividamento. Na época, o governo federal vivia a euforia com a descoberta do petróleo no pré-sal e passou a estimular uma política de conteúdo nacional.

— O projeto da Sete foi montado pelo Santander, que também apresentou o projeto aos potenciais financiadores. Bancos como Bradesco, Itaú e BB mantinham relações comerciais com a Petrobras e, por meio dela, iniciaram a relação com a Sete. Este também foi o caminho da Caixa. Foi um pedido da própria estatal, como ela poderia desenvolver o projeto das sondas de exploração do pré-sal sem que isso tivesse impacto em seu balanço — disse outra fonte que participou do processo.

Foi, de certa forma, fácil para o Santander, de acordo com um executivo que acompanhou a montagem da empresa, conseguir de imediato a entrada de vários sócios, como os bancos Bradesco e BTG Pactual, além dos fundos de pensão Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, da Petros, dos empregados da Petrobras, e da Funcef, da Caixa.

— Todos entraram no projeto por pressão do governo federal. Ou porque eram instituições estatais ou porque os bancos privados tinham em sua gestão executivos com bom relacionamento em Brasília. Por isso, não acredito que fizeram uma diligência prévia (due diligence) eficaz para aprovarem sua entrada no negócio, seja como sócios, seja como financiadores — disse esse executivo.

Outro executivo, porém, afirmou que os cinco bancos concederam o financiamento (empréstimo-ponte) para o Grupo Sete porque na época existia a garantia de que o BNDES financiaria o projeto, já que ele tinha sido aprovado:

— Os bancos privados entraram por ganância própria e visando a benesses indiretas na relação que tinham com o Executivo.

Segundo essa mesma fonte, a Caixa, totalmente afinada com o governo federal, “mergulhou de cabeça” no projeto. Emprestou dinheiro, fez a Funcef de sócia e depois pôs o FI-FGTS como acionista:

— As ordens vinham do Executivo, de Brasília, e a Caixa as cumpria fielmente pela subordinação óbvia dos seus diretores ao governo da época.

 

HOUVE DISPUTA PELA EMPRESA

De acordo com uma alta fonte da Sete Brasil, a empresa nasceu de um “plano audacioso e utópico”. A Petrobras deixaria de pagar um aluguel de US$ 300 mil diários por sonda para arcar com algo como US$ 50 mil por dia. As empresas queriam vender os equipamentos para a Petrobras.

—Muita gente queria vender sonda. Era um plano utópico, audacioso, mas parecia um bom negócio. Isso se a Petrobras não estivesse tão ruim das pernas, o que ninguém imaginava — disse a fonte.

Parecia tão vantajoso que, segundo essa fonte, foi fácil atrair os bancos privados. Houve inclusive disputa para bancar a operação da empresa.

— Era tão bom que André Esteves (do BTG Pactual) deu um golpe. Ele entrou e tomou conta do negócio. Tanto que é o que mais tem prejuízo hoje com a empresa — disse essa fonte.

O plano não funcionou, porque a crise da Petrobras se agravou com as fortes oscilações dos preços internacionais do petróleo e, principalmente, porque o esquema de corrupção da petrolífera foi replicado na Sete Brasil.

— Era um bom negócio, mas eles trouxeram o modus operandi para a Sete Brasil, e a conta caiu no colo dos investidores — disse a fonte. Colaborou Gabriela Valente

 

O globo, n. 30310, 01/08/2016. Economia, p. 15