Prova ilícita obtida com 'boa-fé' deve ser válida, Diz Moro

Igor Gadelha e Julia Lindner

05/08/2016

 

 

Juiz defende ato de quem infringe a lei ‘sem intenção de cometer crime’ ao participar de sessão na Câmara sobre pacote anticorrupção.

O juiz federal Sérgio Moro, que conduz as investigações da Lava Jato na primeira instância, defendeu ontem cautela na aplicação do chamado teste de integridade com agentes públicos, disse que o foro privilegiado fere a “ideia básica de democracia” e considerou que, mesmo provas adquiridas de maneira ilícita, deveriam ser mantidas em processos se obtidas com “boa-fé”. As afirmações foram feitas em audiência na Câmara dos Deputados para tratar do pacote de medidas anticorrupção apresentado pelo Ministério Público Federal.

Primeiro a ser ouvido pela comissão especial que analisa o pacote, Moro propôs mudanças no texto e fez questão de mostrar apoio a outros itens, como a responsabilização dos partidos políticos e a criminalização do caixa 2. Frisou, no entanto, que a lei não será a “salvação nacional”.

“O problema da corrupção não se resolve com passe de mágica, não existe bala de prata, mas é importante que, nesse contexto atual, o Congresso também faça a sua parte dando início a um ciclo virtuoso.” Recebido por manifestações de apoio e de grupos contrários, Moro falou por três horas e descartou a possibilidade de disputar eleições no futuro.

Teste de integridade. Moro reconheceu que o teste é “muito polêmico” e propôs que só seja realizado caso haja uma suspeita prévia de crime. A ação prevê a simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou empregado, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes. “A ideia é impedir que o Estado aja para criar criminosos e não para impedi-los”, disse o juiz.

Moro também sugeriu que, para que tenha efeitos de punição criminal, o teste seja autorizado pela Justiça. Na sua interpretação, se não houver essa autorização, o agente público só poderá ser punido administrativamente.

Ele propôs uma pena mais branda para os agentes públicos que caírem no teste: de 2 a 8 anos, menor do que a pena prevista para crimes de corrupção (2 a 12 anos).

2ª instância e foro. Moro elogiou a decisão do Supremo Tribunal Federal de autorizar prisão de condenados em segunda instância (mais informações na página ao lado) e defendeu o fim do foro privilegiado. “O foro privilegiado fere aquela ideia básica da democracia de que todos devem ser tratados como iguais.” Ele, que tem a prerrogativa, disse que “facilmente abria mão” do benefício.

Prova ilícita. O magistrado também sugeriu uma reformulação no projeto anticorrupção para deixar claro que provas adquiridas por agente público de maneira ilícita sejam mantidas, desde que tenham sido obtidas com “boa-fé”. Para ele, as pessoas que “infringem a lei sem intenção de cometer um crime”, bem como empregados que fizerem uma denúncia, “em situação conflituosa com sua ética”, devem ser preservados e terem suas provas protegidas. Nesse caso, ele citou exemplos recentes como o do banco HSBC, em que um ex-funcionário vazou materiais contra a empresa.

O juiz defendeu ainda a introdução de uma “forma privilegiada” de pena em determinados casos de crimes cometidos contra a administração pública. Ele sugeriu incluir, no projeto analisado, trecho prevendo que um magistrado poderá diminuir a pena do agente caso ele seja réu primário ou em crimes de valor pequeno.

Caixa 2. Moro disse concordar com a responsabilização de partidos políticos que cometeram ilícitos e com a criminalização do caixa 2. “O caixa 2 muitas vezes é visto como um ilícito menor, mas é trapaça em uma eleição. Não existe justificativa ética para essa conduta”, disse.

“Há uma carência para penalizar esse tipo de atividade, no sentido de que se não é criminalizado, é tido como permitido.

” Lava Jato e candidatura. Sobre o fato de declarar recentemente que o trabalho da primeira instância da Lava Jato deveria se encerrar no fim deste ano, Moro disse que “é mais um desejo”. “Porque confesso que estou um pouco cansado, o trabalho tem sido desgastante, do que propriamente uma previsão objetiva.”.

Ele negou que pretenda disputar eleições no futuro. “Nenhuma chance. Sou juiz profissional, minha carreira é da magistratura e não pretendo sair”.

Indagado sobre a possibilidade de se tornar ministro do STF, desconversou. “São especulações que não me favorecem.”

‘Permissão’

“O caixa 2 é visto como um ilícito menor, mas é trapaça em uma eleição. Há uma carência para penalizar esse tipo de atividade (caixa 2), no sentido de que se não é criminalizado, é tido como permitido”

Sérgio Moro

JUIZ FEDERAL.