Dilma e Lula na mira do STF

 

17/08/2016
Carolina Brígido
Catarina Alencastro

 

O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou abertura de inquérito para investigar a presidente afastada, Dilma Rousseff, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por crime de obstrução da Justiça. Eles são acusados de terem tentado atrapalhar as apurações da Operação Lava-Jato. São alvo do mesmo inquérito os ex-ministros José Eduardo Cardozo e Aloizio Mercadante; o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco Falcão; o ministro do STJ Marcelo Navarro Ribeiro Dantas; e o ex-senador Delcídio Amaral. A decisão foi no mesmo dia em que Dilma divulgou uma carta aos senadores e ao povo brasileiro.

O pedido de abertura das investigações foi enviado ao tribunal pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no dia 2 de maio. O inquérito foi oficialmente instaurado na segundafeira, com um despacho de Teori determinando a realização de diligências.

O caso está dentro da Lava-Jato eé o primeiro inquérito de que se tem conhecimento para investigar Dilma no STF. Como as apurações estão sob sigilo, as primeiras providências tomadas não foram divulgadas. Nessa fase, é comum, por exemplo, autorizar o depoimento de testemunhas e investigados. Ou ainda a requisição de informações sigilosas sobre investigados. As diligências serão realizadas pela Polícia Federal.

 

GRAVAÇÕES ANULADAS

Em junho, Teori enviou ofício a Janot questionando se ele pretendia rever o pedido de investigação. Isso porque Teori tinha anulado a validade de provas que poderiam incriminar Lula e Dilma. Em julho, durante o recesso do STF, o procurador-geral respondeu que mantinha o pedido de abertura de inquérito.

Teori anulou como provas as gravações realizadas depois do período autorizado pelo juiz federal Sérgio Moro, que conduz a Lava-Jato na primeira instância. É o caso do diálogo em que Dilma diz a Lula que estaria enviando por um emissário o termo de posse do petista como ministro da Casa Civil. As escutas estavam autorizadas até a manhã de 16 de março, mas a conversa entre Dilma e Lula foi gravada à tarde. Esse áudio não pode mais ser usado como prova.

Para investigadores da Lava-Jato, a nomeação de Lula no cargo teria ocorrido com o único propósito de dar a ele o direito de ser investigado e julgado em foro especial. Os processos contra o petista sairiam das mãos de Moro e seriam transferidos para o STF. Essa manobra configuraria obstrução da Justiça.

A decisão de Teori anulando parte das provas, no entanto, não necessariamente inviabiliza as investigações contra Dilma e Lula. No pedido de abertura de inquérito, Janot considerou indícios da prática ilícita não apenas as gravações, mas também outros elementos. Ele acrescentou, por exemplo, o fato de a nomeação de Lula ter sido publicada em edição extra do Diário Oficial da União, supostamente para garantir a transferência mais rápida do foro judicial responsável por Lula. Também foi mencionada a entrevista na qual Dilma explicou o teor do diálogo e nota oficial da presidente sobre o assunto.

Mercadante é mencionado no inquérito porque, em conversas com um assessor chamado José Eduardo Marzagão, teria tentado impedir a delação premiada do ex-senador Delcídio Amaral, prejudicando as investigações da Lava-Jato. Esses áudios foram usados como indícios por Janot no pedido de abertura de inquérito.

Outro elemento levado em consideração pelo procurador-geral foi a nomeação do ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas para o STJ no ano passado. Em delação premiada, Delcídio, que foi líder do governo no Senado, disse que o objetivo da escolha de Dantas era garantir a concessão de habeas corpus para executivos presos na Lava-Jato. O presidente do STJ, ministro Francisco Falcão, também teria trabalhado para a nomeação de Dantas e, por isso, é citado nas investigações. Também na delação premiada, Delcídio mencionou um encontro de Cardozo com o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, em Portugal, com o objetivo de conversar sobre a Operação Lava-Jato.

Ao fim das apurações no STF, haverá duas possibilidades: o arquivamento do caso, por falta de elementos suficientes, ou a apresentação de denúncia contra os investigados por parte de Janot. Na segunda hipótese, o tribunal poderá aceitar ou rejeitar a denúncia. Em caso positivo, o grupo se tornará réu em uma ação penal.

Em nota, Dilma afirmou que “a abertura de inquérito é importante para elucidar os fatos e esclarecer que em nenhum momento houve obstrução de Justiça”. Ao fim, o texto diz: “A verdade irá prevalecer”.

Também em nota, os advogados Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira, contratados por Lula, disseram que o ex-presidente “jamais praticou qualquer ato que possa configurar crime de obstrução da Justiça”. No mesmo texto, a defesa afirma que “Lula não se opõe a qualquer investigação, desde que observado o devido processo legal e as garantias fundamentais”.

Os advogados argumentaram que não apenas Lula deveria ser investigado, mas também Sérgio Moro. “Se o procurador-geral da República pretende investigar o ex-presidente pelo teor de conversas telefônicas interceptadas, deveria, também, por isonomia, tomar providências em relação à atuação do juiz da Lava-Jato que deu publicidade a essas interceptações — já que a lei considera, em tese, criminosa essa conduta”, diz o texto.

Cardozo declarou que a abertura do inquérito é importante para esclarecer o assunto, mas ele criticou a delação de Delcídio:

— A abertura do inquérito é absolutamente normal. Delcídio fez uma denúncia, e o Ministério Público tem que apurar essa denúncia, ainda que seja absolutamente inverossímil.

Em nota, Mercadante afirmou que a decisão de Teori será oportunidade para que o petista explique que não agiu para tentar obstruir a Justiça. “A decisão do STF de abertura de inquérito será uma oportunidade para o ex-ministro, Aloizio Mercadante, demonstrar que sua atitude foi de solidariedade e que não houve qualquer tentativa de obstrução da Justiça ou de impedimento da delação do então senador Delcídio Amaral”, diz o texto. Francisco Falcão e Navarro disseram que não irão se manifestar.

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Em ‘carta aos brasileiros’, Dilma fala em novas eleições

 

17/08/2016
Catarina Alencastro
Letícia Fernandes 
 

 

    Após muitos dias de debates em torno do texto, a presidente afastada, Dilma Rousseff, divulgou ontem uma carta com a “Mensagem ao Senado Federal e ao povo brasileiro”, como definiu. Nela, a petista reitera os conceitos básicos de sua defesa, de que seria alvo de um golpe, uma vez que não teria cometido crime de responsabilidade, e propõe a realização de um plebiscito sobre a convocação de novas eleições. A presidente afastada também sugere a realização de uma reforma política para diminuir o número de partidos e moralizar o financiamento de campanhas.

    Dilma será julgada a partir do dia 25 no Senado por ter assinado decretos orçamentários suplementares e por “pedaladas fiscais”, o que, segundo relatório aprovado pela Comissão do Impeachment, caracterizaram infração à Lei de Responsabilidade Fiscal. Para a presidente afastada, que convocou a imprensa ao Palácio da Alvorada para ler a carta na íntegra, em um regime presidencialista não se pode derrubar o chefe de Estado pelo “conjunto da obra”.

    — No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a desconfiança política para afastar um presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal crime. Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o presidente pelo conjunto da obra é o povo, e só o povo, nas eleições. Por isso, afirmamos que, se consumado o impeachment sem crime de responsabilidade, teríamos um golpe de Estado — disse Dilma, lendo a carta.

    A decisão de chamar a imprensa foi tomada pela petista no fim de semana. Após fazer pequenas mudanças no texto, ela convocou os ex-ministros que mais tempo passam no Alvorada para estarem ao seu lado no pronunciamento. Apenas José Eduardo Cardozo não compareceu. Segundo um interlocutor de Dilma, vários senadores aliados opinaram sobre o conteúdo do texto.

     

    MEA-CULPA

    Acompanhada de cinco ex-ministros, a presidente afastada fez um raro mea-culpa:

    — Na jornada para me defender do impeachment, eu me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras a meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade e determinação para que possamos construir um novo caminho.

    Segundo ela, caso os senadores aprovem seu impedimento, o voto do conjunto dos eleitores brasileiros, 110 milhões de pessoas, seria substituído por um “colégio eleitoral de 81 senadores”. Dilma voltou a mencionar indiretamente o expresidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDBRJ), responsável por abrir o processo de impeachment, dizendo não ter contas no exterior.

    Ela se comprometeu a, caso volte à Presidência, a dar continuidade à “luta contra a corrupção”.

    — Não aceitaremos qualquer pacto em favor da impunidade daqueles que, comprovadamente, e após o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, tenham praticado ilícitos ou atos de improbidade — disse.

    Jaques Wagner, Ricardo Berzoini, Aloizio Mercadante, Miguel Rossetto e Eleonora Menicucci chegaram ao Alvorada no fim da manhã, almoçaram com Dilma e discutiram as contradições do governo interino. Dilma não deu chance aos repórteres de fazerem perguntas. Antes de dar início à leitura da carta, ela lamentou a derrota da seleção brasileira feminina de futebol.

    Interlocutores que visitam a petista com frequência afirmaram que houve uma preocupação, entre seus aliados, de amenizar o texto da carta, para evitar mal-estar com os senadores. Foram removidas do texto, nos últimos dias, algumas expressões consideradas “críticas demais” e que poderiam irritar os parlamentares, o que iria na contramão do objetivo da carta.

    — Ela corrigiu tudo pessoalmente, e os ministros tentaram atenuar o texto para evitar que as críticas irritassem os senadores. Eles tiraram expressões para poupar o Senado e equilibrar as falas — contou um interlocutor.

    A petista quis fazer um texto “para a posteridade”, que preservasse a sua biografia.

    — Não era nossa preocupação fazer uma mensagem para a História, mas é óbvio que todo documento presidencial acaba falando para a História. Nossa preocupação é falar com o povo e com os senadores — disse um aliado.

     

    TRECHOS DA CARTA
     

    GOLPE

    “Não é legítimo afastar o presidente pelo conjunto da obra, quem pode fazer isso é só o povo brasileiro. Por isso, se consumado o impeachment, teríamos um golpe de Estado. O colégio eleitoral de 110 milhões de eleitores seria substituído por um colégio eleitoral de 81 senadores. Seria um inequívoco golpe seguido de eleição indireta”

    PLEBISCITO

    “Estou convencida da necessidade e darei meu apoio irrestrito à convocação de um plebiscito, com o objetivo de consultar a população sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral”

    INOCÊNCIA

    “Não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um centavo do patrimônio público e não recebi propina de ninguém. Esse processo de impeachment é frágil, juridicamente inconsistente, injusto e desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente”

     

    O globo, n. 30326, 17/08//2016. País, p. 3