Carta desagradou a senadores que irão decidir o impeachment

 
17/08/2016
Maria Lima 
Cristiane Jungblut

 

Tantas vezes adiada e modificada, a carta de Dilma Rousseff teve recepção fria no Congresso, e a avaliação majoritária, entre aliados e opositores, é que a mensagem contra seu impeachment chegou fora de hora e não terá impacto sobre os senadores. Não só os indecisos não devem se sensibilizar. O senador Otto Alencar (PSD-BA), que votou duas vezes contra o impeachment, sinalizou que pode mudar de posição e avaliou ontem que Dilma será cassada com 60 votos. Já o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), até pouco tempo um dos principais aliados de Dilma no Congresso, criticou a defesa de um plebiscito para decidir sobre antecipação de eleições gerais.

— Na democracia, a melhor saída sempre é a saída constitucional e plebiscito e novas eleições não estão previstos na Constituição. Então isso não é bom — disse Renan.

Já o senador Otto Alencar disse que a carta de Dilma não muda nada.

— A repercussão no plenário foi zero. É extemporânea e muita coisa poderia ter sido evitada se lá atrás ela tivesse assumidos seus erros. Tem uma frase do imperador Júlio César que diz: quando o sofrimento atinge o auge, renuncie. Mas cada um tem seu limiar do sofrimento. Eu não aguentaria 10%. Eu passei um ano e tanto pedindo a Dilma sobre meu projeto da revitalização do São Francisco e nada. O gesto do presidente Temer acatando meu projeto mexeu comigo — admitiu o senador baiano, cujo voto já é computado pelo Planalto como favorável ao impeachment.

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) — cujo voto foi buscado insistentemente por Dilma — não gostou da carta:

— Não acredito que mude nada. Primeiro, não é uma carta aos senadores. O que recebi foi uma cópia de uma mensagem da presidente da República ao Senado e ao povo brasileiro. Na forma, Dilma já começou errando. Se ela queria tocar o senador, deveria mandar-lhes a carta com um cartãozinho pessoal. Em segundo lugar, chegou muito tarde. Ela teve meses para fazer isso. Por fim, o mais grave, ela não apresentou nada de concreto de como, em sua volta, levaria o Brasil a sair da crise que ela nos deixou.

A tropa de choque dilmista ainda tentou mostrar otimismo. A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) foi à tribuna ler a carta. O líder do PT, Humberto Costa (PT-PE), apoiou a inclusão do apoio ao plebiscito e disse ser possível vencer a disputa do impeachment :

— Até o momento da votação dá tempo para fazermos esse convencimento. Não há um crime de responsabilidade e, como tal, esse processo está se transformando num processo contra a democracia brasileira. O melhor caminho seria esse (realização de plebiscito).

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Documento é narrativa para os livros


 
17/08/2016
Paulo Celso Pereira

 

Apesar de ter anunciado seu texto como uma carta aos senadores, o que a presidente afastada Dilma Rousseff fez foi registrar para a posteridade sua narrativa sobre o processo de impeachment. Duas medidas reforçam tal sentido: a presidente transformou a carta em um pronunciamento à imprensa e, em linha com as pesquisas que mostram que a maioria da população defende novas eleições, propôs um plebiscito pela antecipação do pleito de 2018 mesmo contra o desejo da cúpula de seu partido.

O cerne do texto, porém, está no reforço à versão de que não teria cometido crime de responsabilidade e que estaria sofrendo um “golpe” — palavra que desagrada aos senadores.

Ironicamente, diz aos supostos destinatários que não lhes cabe decidir o que Ricardo Lewandowski qualificou de “uma das mais graves competências” do Senado, pois estariam substituindo “o colégio eleitoral de 110 milhões de eleitores”. Entre sinalizações de diálogo, defesa de políticas sociais e críticas às reformas prometidas por Temer, Dilma converteu o pedido de voto em manifesto.

 

O globo, n. 30326, 17/08/2016. País, p. 4