Equipe econômica se queixa de 'fogo amigo' contra ajuste

Martha Beck

13/08/2016

 

 

Críticas a Henrique Meirelles são vistas como ataques à política para a área

A queda de braço do governo com o Congresso em torno do projeto de renegociação das dívidas dos estados com a União expôs o ciúme que a proximidade entre o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente interino Michel Temer tem provocado no Palácio do Planalto. O chefe da equipe econômica tem carta branca para conduzir o ajuste fiscal, mas, mesmo assim, foi criticado por assessores de Temer quando defendeu que a renegociação das dívidas tivesse como contrapartida a proibição de que governadores concedessem aumentos a servidores públicos por um prazo de dois anos. A medida foi rejeitada pelos parlamentares, muitos dos quais pretendem se candidatar a governador em 2018 e não querem se indispor com o funcionalismo. Ela acabou retirada do projeto, cujo texto-base foi aprovado na Câmara.

No alvo. Meirelles foi criticado por assessores de Temer ao defender contrapartidas para renegociar dívida dos estados

Na ala política, a defesa pública do bloqueio ao reajuste do funcionalismo foi considerada ruim, porque gerou um desgaste para o governo no Congresso. No entanto, integrantes da equipe econômica afirmam que o “fogo amigo” acaba trabalhando contra o ajuste fiscal que a economia brasileira precisa e, no final das contas, contra o próprio governo.

— Num ambiente político é normal que predomine um foco político. Mas é interesse de todos que o país dê certo. Ter um fogo amigo contra o ajuste acaba sendo um fogo amigo contra o próprio governo. Para que o governo tenha sucesso, é necessário que o ajuste tenha sucesso — afirmou um integrante da cúpula econômica.

Ele lembra que, no projeto de renegociação das dívidas dos estados com a União, o ministro da Fazenda tinha como foco principal fixação de teto para os gastos, e isso acabou ficando na proposta. A suspensão dos reajustes de servidores por dois anos havia sido incluída no texto como contrapartida a pedido dos próprios governadores, que não queriam arcar sozinhos com o ônus de segurar aumentos de salários.

— Essa era uma medida acessória ao teto de gastos que havia sido pedida pelos governadores. O problema é que ela chegou ao Congresso, e os parlamentares não quiseram assumir o custo público de se indispor com servidores apenas para atender aos governadores. Ao perceber que haveria uma derrota na votação na Câmara, o governo decidiu retirar a contrapartida do texto. Mas creditar isso como uma derrota é forçar a barra — disse o integrante da área econômica.

EXPLICAÇÕES AO MERCADO

A tarefa de Meirelles também não fica fácil com integrantes do Planalto falando publicamente sobre a política fiscal. Esta semana, por exemplo, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que o governo não teria mais espaço para auxílios adicionais aos estados de Norte e Nordeste, porque o rombo fiscal de 2016 já estaria em R$ 169 bilhões. A declaração provocou nervosismo no mercado financeiro, que viu o risco de o governo não conseguir cumprir a meta fiscal do ano, um déficit de R$ 170,5 bilhões.

A Fazenda acabou tendo que explicar aos agentes de mercado que, na verdade, o governo já comprometeu R$ 169 bilhões da meta, mas que o rombo ainda não chegou a esse montante. Como a maior parte das despesas públicas são obrigatórias (com pessoal e Previdência Social) e as receitas estão caindo, praticamente toda a margem colocada na meta já está ocupada. Os R$ 169 bilhões mencionados por Padilha equivalem à meta de R$ 170,5 bilhões menos o que sobrou de uma margem de reserva deixada no Orçamento para acomodar despesas com a renegociação das dívidas dos estados. Segundo os técnicos da área econômica, como as receitas continuam caindo, essa margem hoje está em torno de R$ 1,5 bilhão.

 

 

O globo, n. 30322, 13/08/2016. País, p. 4.