PT ensaia o retorno ao papel de oposição

Júnia Gama

13/08/2016

 

 

Impeachment de Dilma tornará partido adversário do governo

Com a possibilidade cada vez mais concreta de a presidente Dilma Rousseff ser definitivamente afastada do cargo após se tornar ré no processo de impeachment, o PT começa a se debruçar sobre a construção da narrativa de oposição que terá de voltar a sustentar nos próximos dois anos. Autoridades de diversas áreas no partido têm sido procuradas por parlamentares com essa missão. Entre os consultados estão integrantes da Fundação Perseu Abramo, o ex-presidente Lula, na questão política, e o ex-ministro Nelson Barbosa, na área econômica.

Desgastados pela Operação Lava-Jato e pela crise econômica que se intensificou no governo Dilma, os petistas querem, essencialmente, reconectar-se com as bases sociais que possibilitaram a expansão do partido nas últimas décadas. Nesse sentido, as pautas defendidas pelo PT vão confrontar o âmago da política econômica proposta por Temer.

Inicialmente, o discurso será mais crítico do que propositivo. Entre os pontos já estabelecidos pela militância petista está a discordância em relação à idade mínima para aposentadoria no âmbito da reforma da Previdência; sobre a limitação de gastos sociais; em relação à redução do SUS; a privatizações em áreas como Educação; à flexibilização da jornada de trabalho e à terceirização; à diminuição de programas como Fies e Pronatec; e ao favorecimento de faixas de renda mais altas no Minha Casa Minha Vida.

— Passado o impeachment, vamos trabalhar mais organizadamente para pensar a política, a economia e os programas sociais. Vamos fazer oposição, não há hipóteses de aliança com este governo — afirma o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE).

Mas, dentro do próprio partido, há quem se sinta desconfortável com a pauta que está sendo esboçada e diz que o PT precisa evoluir em suas posições para se adequar ao momento que o país vive, em que é preciso controlar os gastos e organizar as contas para o futuro.

— Sabemos que tem de haver reforma na Previdência, mas não do jeito que o Temer e o Meirelles querem fazer. Além disso, que interesse teria o PT em se posicionar a favor de uma pauta que é contra os trabalhadores? O que nos restaria de discurso? — questiona um petista.

Os integrantes do PT sabem que a recuperação da economia passa por um ajuste fiscal, mas ainda não conseguiram encontrar uma forma de falar em austeridade sem parecerem alinhados com a agenda de Temer. Principalmente porque grande parte das ações que hoje estão sendo conduzidas pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, vai na mesma linha proposta por Dilma em seus últimos meses de governo.

O governo da presidente afastada vinha trabalhando numa proposta de reforma da Previdência que estabelecia uma idade mínima para aposentadoria. Também estava em estudo uma reforma trabalhista pela qual o acordo feito entre patrões e empregados pudesse prevalecer sobre o legislado, desde que não colocasse em risco direitos essenciais dos trabalhadores.

A equipe de Dilma também via necessidade de fixar um teto para os gastos públicos, proposta que foi apresentada por Barbosa pouco antes de deixar o cargo. Também foi Dilma quem abriu as negociações com os governadores para renegociar as dívidas dos estados com a União. (Colaborou Martha Beck)

 

 

 

O globo, n. 30322, 13/08/2016. País, p. 5.