Rever prisão após 2ª instância afeta delações, diz Janot

02/09/2016

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu ontem que o Supremo Tribunal Federal (STF) mantenha o entendimento fixado em fevereiro, quando permitiu a execução de pena a partir de uma decisão judicial de segunda instância, ou seja, antes de se esgotarem todos os recursos possíveis da defesa. Para ele, uma alteração nessa jurisprudência poderia ter impacto nos acordos de delação premiada. O caso começou a ser analisado pelo plenário do STF ontem, mas a sessão foi suspensa para que os ministros pudessem comparecer à posse da nova presidente do Superior Tribunal de Justiça, Laurita Vaz. O julgamento deve ser retomado na próxima semana.

“Para o Ministério Público, esse julgamento é tão importante quanto o julgamento no Supremo que definiu o poder investigatório do Ministério Público.

Eu acho que isso influenciará com certeza em vários processos de colaboração premiada em curso ou que virão em todas as investigações do Ministério Público, seja federal, seja dos Estados”, disse Janot ao chegar para a sessão da Corte.

Um dos temores do Ministério Público é de que uma mudança no entendimento esvazie as investigações, pois isso desestimularia condenados que temem iniciar o cumprimento da pena e por isso firmaram acordos para colaborar com os procuradores.

Presunção da inocência. As duas ações que começaram a ser julgadas ontem foram apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Partido Ecológico Nacional. O argumento central de ambas é que a prisão, enquanto houver direito a recurso, viola o princípio da presunção de inocência.

Apenas o relator das ações, ministro Marco Aurélio Mello, pronunciou o seu voto ontem. Para ele, não é constitucional aplicar uma pena antes de o processo transitar em julgado, ou seja, antes que se esgotem todas as possibilidades de recurso que o condenado tem direito.

Em fevereiro, o Supremo decidiu por 7 a 4 permitir que as penas passassem a ser executadas já na segunda instância. O entendimento anterior era o de que o cumprimento da pena começaria após o chamado trânsito em julgado da condenação, podendo chegar aos tribunais superiores. Foram vencidos nessa discussão o próprio Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e o presidente do STF, Ricardo Lewandowski.

Como se trata de uma decisão tomada em habeas corpus, ela não tem repercussão geral, e os ministros vencidos continuaram dando sentenças contrárias a ela.

Antes do voto do relator, 13 advogados se revezaram na tribuna para defender que eram contra a aplicação da pena após a decisão de segunda instância.

Alguns deles, como Antonio Carlos Almeida Castro, o Kakay, representam implicados na Lava Jato, como os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Edison Lobão (PMDB-MA). Em sua fala, Kakay defendeu que essa mudança é uma questão de “justiça” e não vai beneficiar diretamente nenhum dos seus clientes investigados por envolvimento no esquema de corrupção da Petrobrás.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

1.   O que o Supremo decidiu em fevereiro?

A Corte permitiu a execução da pena já após uma decisão de 2.ª instância, ou seja, antes de esgotadas todas as possibilidades de recursos (trânsito em julgado). Até então, o entendimento era o de que uma pessoa só poderia começar a cumprir a pena depois do trânsito em julgado.

2. Por que ministros contrariaram a decisão?

A decisão de fevereiro foi tomada em um pedido de habeas corpus e, por isso, não tem repercussão geral. Isso significa que ela não vale para todos os casos. Portanto, ministros do STF que não concordam com a tese continuam dando sentenças contrárias ao entendimento da maioria da Corte.

3. O que o Supremo tem de decidir agora?

Estão sendo julgadas duas ações que argumentam que a prisão enquanto houver direito a recurso viola o princípio da presunção de inocência. A decisão nesse tipo de ação, diferentemente de um habeas corpus, tem repercussão mais ampla e criaria uma jurisprudência para todos os casos.

 

O Estado de São Paulo, n. 44880, 02/11/2016. Política, p. A4