Mercosul: debate sobre Venezule causa atrito entre Brasil e Uruguai

 

17/08/2016
Gabriela Valente
Eliane Oliveira

 

O clima no Mercosul, que já não era dos melhores, esquentou ontem. Reportagem publicada ontem pelo jornal uruguaio “El Pais” relata que o chanceler do país, Rodolfo Nin Novoa, acusou o governo brasileiro de tentar “comprar o voto” do Uruguai para impedir que a Venezuela assuma a presidência pro tempore (temporária) do bloco. Segundo Novoa, ao visitar Montevidéu, há pouco mais de um mês, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, disse que o Brasil pode incluir o Uruguai em acordos comerciais que está negociando em troca do afastamento dos venezuelanos do bloco sul-americano.

Ao tomar conhecimento da acusação, o secretário-geral das Relações Exteriores, Marcos Galvão, convocou o embaixador do Uruguai no Brasil, Carlos Daniel Amorín-Tenconi, e pediu explicações sobre as declarações do chanceler. Dependendo das conversas entre os governos dos dois países, segundo uma fonte, não está descartada a possibilidade de o Itamaraty “chamar para consultas” o embaixador brasileiro em Montevidéu, Hadil da Rocha Vianna. Esse tipo de atitude demonstra claramente a insatisfação do governo de um país em relação ao outro.

“O governo brasileiro recebeu com profundo descontentamento e surpresa as declarações do chanceler Nin Novoa sobre a visita do ministro José Serra ao Uruguai, que teriam sido feitas durante audiência da Comissão de Assuntos Internacionais da Câmara de Deputados uruguaia, no último dia 10 de agosto. O teor das declarações não é compatível com a excelência das relações entre o Brasil e o Uruguai”, diz nota do Ministério das Relações Exteriores.

O Itamaraty destacou que o governo brasileiro tem buscado, de maneira construtiva, uma solução para o impasse em torno da presidência pro tempore do Mercosul. E que, durante a visita ao Uruguai, o ministro José Serra também tratou com o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, e com Nin Novoa, sobre o potencial de aprofundamento das relações entre o Brasil e o Uruguai e das oportunidades que os dois países podem e devem explorar conjuntamente em mercados internacionais.

“O Brasil considera o Uruguai um parceiro estratégico”, afirma a nota do Ministério das Relações Exteriores brasileiro. “Ao Brasil interessa um Mercosul fortalecido e atuante, com uma presidência pro tempore que tenha cumprido os requisitos jurídicos mínimos para o seu exercício e que seja capaz de liderar o processo de aprofundamento e modernização da integração”.

 

OPOSIÇÃO DE BRASIL, ARGENTINA E PARAGUAI

A Venezuela deveria assumir o comando do bloco neste semestre. No entanto, os governos de Brasil, Paraguai e Argentina deixaram claro que se opõem à medida, diante do cenário de crise política e econômica no país. O Uruguai sempre apresentou resistência a essa medida.

De acordo com o “El Pais”, o chanceler Novoa foi claro ao afirmar em visita ao Congresso uruguaio que a missão de Serra era convencer o Uruguai a mudar de ideia sobre o comando do Mercosul. Serra esteve em Montevidéu em julho, acompanhado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Não gostamos muito que o chanceler Serra tenha vindo ao Uruguai para nos dizer que vieram (Serra e Fernando Henrique) com a pretensão de suspender a transferência, e que, se isso acontecesse, nos levariam a negociações com outros países, como se estivessem comprando nosso voto”.

O jornal destaca que Serra chegou ao Uruguai com Fernando Henrique para se encontrar com o presidente Tabaré Vázquez e o chanceler uruguaio. E que, em uma conferência de imprensa, Serra revelou que o Brasil faria “uma grande ofensiva” comercial na África subsaariana e no Irã, e queria tomar o Uruguai e não o todo Mercosul como parceiro. Por sua vez, Serra pediu ao governo para suspender a transferência da presidência do Mercosul para a Venezuela.

“O presidente (Vázquez) disse clara e enfaticamente: o Uruguai irá cumprir com os regulamentos e chamará a mudança da presidência” do Mercosul, frisou o chanceler uruguaio no Congresso. “A Venezuela é o legítimo ocupante de a presidência pro tempore (do Mercosul) e, portanto, se convocar uma reunião, o Uruguai participará. O Uruguai estará presente. Se os outros não vão, é responsabilidade deles”.

Há cerca de dez dias, em reunião informal, os presidentes Michel Temer, Maurício Macri (Argentina) e Horácio Cartes (Paraguai) discutiram a situação da Venezuela no Mercosul, em um coquetel de abertura dos Jogos Olímpicos, no Rio. Segundo fontes, além de impedir os venezuelanos de assumir a presidência pro tempore do bloco, os três países cogitam, entre outras hipóteses, o rebaixamento da Venezuela a país associado, na mesma condição da Bolívia, ou até mesmo a suspensão do país do bloco, sob a alegação de desrespeito aos direitos humanos e não cumprimento às normas técnicas da união aduaneira.

 

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‘Incompatível com excelência das relações’

 
17/08/2016
 
 

A seguir, a nota do Itamaraty sobre as declarações do chanceler uruguaio: “O governo brasileiro tem buscado, de maneira construtiva, uma solução para o impasse em torno da presidência pro tempore do Mercosul. A visita do ministro José Serra ao Uruguai, no último dia 5 de julho, realizou-se com esse propósito. Ao Brasil interessa um Mercosul fortalecido e atuante, com uma presidência pro tempore que tenha cumprido os requisitos jurídicos mínimos para o seu exercício e que seja capaz de liderar o processo de aprofundamento e modernização da integração. Durante a visita ao Uruguai, o ministro José Serra também tratou com o presidente Tabaré Vázquez e com o chanceler Nin Novoa do potencial de aprofundamento das relações entre o Brasil e o Uruguai e de oportunidades que os dois países podem e devem explorar conjuntamente em terceiros mercados. O Brasil considera o Uruguai um parceiro estratégico. Nesse contexto, o governo brasileiro recebeu com profundo descontentamento e surpresa as declarações do chanceler Nin Novoa sobre a visita do ministro José Serra ao Uruguai, que teriam sido feitas durante audiência da Comissão de Assuntos Internacionais da Câmara de Deputados uruguaia, no último dia 10 de agosto. O teor das declarações não é compatível com a excelência das relações entre o Brasil e o Uruguai. O secretário-geral das Relações Exteriores convocou hoje o embaixador do Uruguai em Brasília para uma reunião em que expressou o profundo descontentamento do Brasil com as declarações e solicitou esclarecimentos”.

 

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No Senado, debate entre governistas e oposição

 

17/08/2016

 

A declaração dada pelo chanceler uruguaio, Rodolfo Novoa, provocou um acalorado debate entre aliados do governo e oposição no Senado. Na Câmara, o líder do PT, Afonso Florence (BA), protocolou um requerimento de convocação do ministro das Relações Exteriores, José Serra, para que preste pessoalmente, no plenário da Casa, explicações sobre o caso. A discussão começou quando José Aníbal (PSDB-SP) apresentou requerimento pedindo que fosse aprovado “voto de aplauso ao governo brasileiro e ao ministro das Relações Exteriores, José Serra, pela decisão de não reconhecerem a presidência pro tempore da Venezuela no Mercosul”. Diante das reações da oposição, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) ligou para Serra, que, segundo ele, desmentiu que tenha pressionado o Uruguai a não concordar com repassar o comando à Venezuela. A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) acusou o governo Temer de golpista também em relação ao Mercosul. E o senador Roberto Requião (PMDBPR) ganhou aplausos dos petistas ao criticar Serra, falando como presidente da delegação brasileira do Parlasul. — É uma proeza, José Serra é um gênio: conseguiu brigar com o Uruguai — disse o líder do PT, Humberto Costa (PE). Já o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado, defendeu o requerimento de apoio a Serra: — Se há algo que estamos recuperando no país é exatamente a política internacional, a maneira lúcida, preparada e competente do senador Serra.

 

O globo, n. 30326, 17/08/2016. País, p. 9