Protestos tiram Planalto da articulação pró-Cunha

11/09/2016

A pressão das ruas contra o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e sobre o presidente Michel Temer levou o Palácio do Planalto a descartar qualquer possibilidade de ajudar o parlamentar a manter o mandato na sessão que decidirá o futuro político dele, marcada para amanhã na Câmara. Para o governo, a digital da Presidência numa articulação favorável a Cunha poderá fortalecer os protestos anti-Temer.

A cassação do ex-todo-poderoso presidente da Câmara, por outro lado, seria a demonstração de que a gestão de Temer não tem compromisso com o colega de partido e antigo aliado, a quem o PT tenta atribuir a responsabilidade pelo impeachment de Dilma Rousseff em parceria com o próprio presidente.

Segundo um interlocutor de Temer, a pressão das ruas contra Cunha cresceu muito nos últimos dias, como se fosse uma “força de fora para dentro” e não há como se contrapor a isso. Ainda de acordo com esse assessor, Cunha está em uma situação muito delicada e sabe que não poderá ter o apoio de antigos aliados.

Por isso, na reta final do processo de cassação do deputado afastado, Temer optou por ficar distante das articulações para tentar salvá-lo e vai assumir os riscos que a perda do mandato do peemedebista podem significar para o governo – há expectativa de que Cunha, se cassado e sem direitos políticos, possa tentar uma delação premiada na Operação Lava Jato, comprometendo correligionários e integrantes do Executivo.

Na avaliação de interlocutores do presidente, o cenário neste momento é francamente desfavorável ao deputado fluminense.

Um desses auxiliares do Planalto lembra que “a onda” é pela cassação, diante da pressão da opinião pública. O Placar do Estado mostra que já há número de votos suficiente para que ele perca o mandato.

Setores do governo, porém, estariam sensíveis a um acordo em torno do abrandamento da pena do peemedebista.

Anteontem, a defesa de Cunha e um deputado aliado entraram no Supremo Tribunal Federal com um mandado de segurança para que o plenário da Câmara vote, em vez do parecer pela cassação de Cunha, um projeto de resolução. A peça permite emendas e, consequentemente, a proposição de uma pena mais branda, como uma suspensão temporária.

Esforço. Às vésperas da sessão que julgará seu futuro político, Cunha passou os últimos dias no apartamento funcional em Brasília, longe do séquito de aliados. Os antigos apoiadores agora se esforçam cada vez menos na defesa pública do deputado afastado e usam a campanha eleitoral para se distanciar do caso. O peemedebista, por sua vez, tenta convencer seus pares a faltar à sessão ou se abster na votação para evitar a cassação.

Cunha começou a semana passada confiante de que não seria cassado. Segundo fontes próximas a ele, a percepção do deputado afastado era de que o governo havia conseguido neutralizar as investigações da Lava Jato e não tinha interesse em vê-lo perder o mandato. Com a ajuda de líderes de alguns partidos do chamado Centrão, a estratégia de Cunha era esvaziar a sessão de cassação e adiar o fim do processo na Câmara. Levantamentos sobre a intenção de voto dos parlamentares mudaram, no entanto, essa percepção.

Depois de uma carta emotiva aos parlamentares e mensagens de celular, Cunha passou a telefonar para colegas de Câmara. De acordo com relatos, ele cobra dos antigos aliados os favores e o espaço concedidos nos tempos em que era o homem mais poderoso da Casa.

Dos peemedebistas, pede abstenção e, aos partidos do Centrão, sugere ausência na sessão.

‘Julgados’. Deputados, contudo, afirmam que estão sendo cobrados em suas bases. “Todo mundo só me pergunta sobre isso. As pessoas estão acompanhando”, afirmou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), adversário de Cunha. “Os parlamentares estão julgando, mas estão sendo julgados também. Estou confiante de que teremos quórum”, disse o relator do processo, deputado Marcos Rogério (DEM-RO).

O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aposta que haverá um número elevado de parlamentares e já admite abrir a votação a partir de 400 presentes no plenário – e não 420 como havia estimado antes. Para se eximir da responsabilidade sobre possíveis manobras, Maia marcou a sessão com antecedência, avisou que faltas serão descontadas e adiantou que deve negar as questões de ordem. Porém, destacou que as decisões finais serão tomadas pelo plenário. “Nada vai cair nas minhas costas.”

PARA LEMBRAR

Frentes de investigação

Em 3 de novembro do ano passado, 21 dias após ser protocolado pelo PSOL e pela Rede, o pedido de cassação do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi instaurado no Conselho de Ética. Amanhã, cerca de dez meses depois, o peemedebista deve ser julgado em sessão no plenário da Casa.

Na Câmara, Cunha é alvo de processo por quebra de decoro parlamentar, acusado de manter contas secretas no exterior e de ter mentido sobre elas na CPI da Petrobrás. Nesses dez meses, o peemedebista virou réu – duas vezes – perante o Supremo Tribunal Federal na Operação Lava Jato (acusado de cobrar propina de US$ 5 milhões na compra de navios-sonda da Petrobrás e por manter contas na Suíça abastecidas com dinheiro desviado da estatal), foi afastado do cargo de deputado e das funções na presidência da Câmara por determinação da Corte e renunciou ao comando da Casa. Também nesse período, viu sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz, virar ré por lavagem de mais de US$ 1 milhão.

PLACAR

280 A FAVOR DA CASSAÇÃO

108 NÃO FORAM LOCALIZADOS

AUSENTES

87 NÃO QUISERAM RESPONDER

31 INDECISOS

CONTRA A CASSAÇÃO

São necessários 257 votos para a cassação do mandato de Cunha

OBS.: SÃO 512 DEPUTADOS PORQUE EDUARDO CUNHA ESTÁ AFASTADO;  PRESIDENTE DA CÂMARA DISSE QUE NÃO VAI VOTAR

 

O Estado de São Paulo, n. 44889, 11/09/2016. Política, p. A4