‘Grupo corrupto’ assume governo, afirma Dilma

Vera Rosa, Murilo Rodrigues Alves e Leonencio Nossa

01/09/2016

 

 

Acompanhada de Lula, presidente cassada afirma durante discurso no Palácio da Alvorada que história será ‘implacável’ com governo.

No primeiro discurso após o impeachment, Dilma Rousseff afirmou que “um grupo de corruptos investigados” assumiu o poder e pregou uma oposição “enérgica” ao governo de Michel Temer. Acompanhada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Salão de Mármore do Palácio da Alvorada, a presidente cassada avaliou que a história será “implacável” com seu sucessor. “Ouçam bem: eles pensam que nos venceram, mas estão enganados.

Sei que todos vamos lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer”, disse Dilma, num pronunciamento de 15 minutos.

Vestida com um blazer vermelho, a cor do PT, a presidente deposta citou o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) ao afirmar que não gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores. Destacou, ainda, que foi derrubada por contrariar interesses e combater o desvio de recursos públicos.

“Causa espanto que a maior ação contra a corrupção da nossa história, propiciada por ações desenvolvidas e leis criadas a partir de 2003, e aprofundadas em meu governo, leve justamente ao poder um grupo de corruptos investigados”, provocou ela, numa referência à Lava Jato.

Modificações. O discurso lido por Dilma sofreu modificações até o último minuto. Ao saber que sua habilitação política fora mantida, ela fez um improviso e até ensaiou uma futura candidatura.

“Neste momento, não direi adeus a vocês. Tenho certeza de que posso dizer ‘até daqui a pouco’”, afirmou. Em seguida, encaixou uma frase que não estava no script: “Ou eu ou outros assumirão este processo.” Embora o destino político de Dilma ainda seja uma incógnita, há rumores de que ela pode se candidatar ao Senado, em 2018.

O ex-ministro José Eduardo Cardozo, advogado da petista, decidiu apresentar um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federa (STF), contestando a “justa causa” do impeachment, além de outra ação para apontar “vícios” no processo.

Sob gritos de “Dilma, guerreira, da pátria brasileira”, ela afirmou que seu grupo político não pretende voltar apenas para satisfazer seus “desejos” e “vaidades”.

Na rampa do salão, Lula assentia com a cabeça. “Acabam de derrubar a primeira mulher presidenta do Brasil sem que haja qualquer justificativa constitucional para este impeachment”, argumentou ela, ao negar que tenha cometido crime de responsabilidade. “O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino, é homofóbico, é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência.” Dilma acompanhou a votação no Senado pela TV, ao lado de Lula, do presidente do PT, Rui Falcão, e dos ex-ministros Jaques Wagner e Carlos Gabas.

O clima era de abatimento, mas ela não chorou. Ficou, porém, com os olhos úmidos e a voz embargada em alguns momentos do discurso. “Esta história não acaba assim. Estou certa de que a interrupção deste processo pelo golpe de Estado não é definitiva.

Nós voltaremos”, insistiu.

Foi aplaudida por militantes, que chamavam a mídia de “golpista”. “Ocupar e resistir até o Temer cair”, gritavam eles.

Após um processo que durou quase nove meses – desde que o pedido de impeachment foi aceito pelo então presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDBRJ) – e depois de 112 dias afastada do cargo, Dilma disse ter sido vítima de uma “farsa jurídica”.

Presa e torturada na ditadura, ela observou que enfrenta agora o “segundo golpe” na vida. “Saio da Presidência como entrei: sem ter incorrido em qualquer ato ilícito, sem ter traído qualquer dos meus compromissos. Eu vivi a minha verdade”. Antes de se despedir, porém, citou o poeta russo Vladimir Maiakovski.

“Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?”.