Título: Ficha Limpa ganha alento no STF
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Fonte: Correio Braziliense, 14/11/2011, Opinião, p. 10

Há enorme expectativa sobre o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal a respeito do mérito da Ficha Limpa. Na quarta-feira passada, o relator, ministro Luiz Fux, em longo e fundamentado voto, jogou água fria na fervura dos que torciam pela manutenção do status quo. Em bom português: dos que esperavam jogar no cesto de lixo o resultado da iniciativa popular que chegou ao Congresso com nada menos de 2 milhões de assinaturas. Posteriormente, 1,7 milhão de brasileiros aderiram via internet.

Ao proclamar a constitucionalidade de quase toda a lei, Fux animou os que perseguem a ética na política. Considerou, porém, parte do texto inconstitucional. Trata-se da passagem que barra a candidatura de quem renunciou ao mandato para escapar da cassação. Em outras palavras: acusado de desvio de conduta, senador ou deputado abdica à representação para evitar abertura de processo no Conselho de Ética. Renuncia para não ser cassado. E, não sendo cassado, assegura o direito de candidatar-se nas eleições seguintes.

Pedido de vistas do ministro Joaquim Barbosa adiou o julgamento. É provável que o ponto final só seja posto no próximo ano com a chegada da ministra Rosa Maria Weber, indicada há pouco pela presidente Dilma Rousseff para ocupar a vaga de Ellen Gracie, recém-aposentada. Na quinta-feira, dia posterior à sessão do STF, o relator afirmou que não deseja abrandar o rigor do texto aprovado pelo Congresso. Pode, pois, rever sua posição quando for retomada a discussão pelo plenário da corte, já então completo com os 11 membros.

O aceno do STF vem ao encontro do desejo da sociedade. São crescentes as demonstrações de intolerância com as sucessivas acusações que comprometem parcela dos políticos nacionais. No dia da festa da Independência do Brasil, manifestantes vestidos de preto ocuparam pacificamente a Esplanada dos Ministérios. Ali, diante dos chefes dos Três Poderes da República, transcorriam as homenagens oficiais do Sete de Setembro. Significativamente os cidadãos, convocados pelas redes sociais, recusaram a chancela de políticos e de partidos. Deixaram claro que o movimento é apartidário e nascido dos brasileiros — não desta ou daquela parcela, deste ou daquele segmento.

Em outras unidades da Federação, o povo também foi às ruas. No feriado de 12 de outubro, imagem simbólica apareceu nas telas da tevê e nas páginas de jornais. Vassouras verde-amarelas varriam a corrupção que condena o país a irremediável atraso. Embolsa o dinheiro que compra remédios, amplia leitos e contrata profissionais que salvam vidas. Desvia os recursos destinados à educação. Priva as escolas das condições de preparar crianças e jovens sintonizados com as exigências da globalização e da era da internet. Mantém a segurança precária, o que faz cidades brasileiras ocuparem lugar de destaque no triste ranking da violência e da perda de vidas por causas externas.

A corrupção rouba o futuro. Não é sem razão que os manifestantes pedem que seja considerada crime hediondo. A desenvoltura com que políticos transitam por esse universo pantanoso se assemelha a bofetada nos brasileiros que acordam cedo, labutam honestamente, pagam impostos sem receber a contrapartida. A iniciativa popular funcionou como um grito de basta à tolerância. Sem conseguir que projeto parlamentar alterasse a lei das inelegibilidades, cidadãos recorreram a direito assegurado pela Constituição. São conscientes. Sabem que a política permeia a vida — desde a inserção do país no cenário internacional até o preço do pãozinho. É, pois, importante demais para ser deixada nas mãos de corruptos.