Sucessor de Janot deve pegar parte da Lava-Jato

 

30/09/2016
Letícia Casado
Carolina Oms
 
 
 
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deve terminar o mandato, em setembro de 2017, passando o comando de alguns inquéritos decorrentes da Operação Lava-Jato ao seu sucessor, que será indicado pelo presidente Michel Temer. A dimensão da Lava-Jato no meio político tem se mostrado maior do que a PGR inicialmente estimava, disse uma fonte à reportagem. Assim, não há como estimar quantos inquéritos devem ser concluídos até sua saída do cargo.

Janot deixará como tarefa para o seu sucessor a decisão de pedir o recebimento de uma denúncia ou o arquivamento de uma investigação por falta de provas. "Alguns sim, outros não", disse Janot ao Valor ao ser questionado sobre a viabilidade de encerrar todos os inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF).

A tendência é que a investigação cresça ao longo deste último ano de Janot frente à PGR - se a delação de executivos e ex-executivos da Odebrecht for realmente fechada, novas frentes de investigação serão abertas. Uma fala recente de Janot resume o cenário: "Investigação é fio de novelo, vai puxando e vamos ver o que vem".

A investigação na primeira instância, em Curitiba, apura a atuação de grupos, enquanto a do STF muitas vezes trata de atuações isoladas de políticos, diz uma fonte. O senador Valdir Raupp (PMDB-RO), por exemplo, é acusado de receber propina de R$ 500 mil do esquema de corrupção na Diretoria de Abastecimento da Petrobras, enquanto o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) teria recebido propina de US$ 5 milhões oriunda de contrato de aquisição de navios-sonda pela Petrobras. Por isso, a investigação em Brasília é considerada "caso a caso", com níveis diferentes de dificuldade na coleta de provas.

Um ano e meio depois da chegada da Lava-Jato ao Supremo, nenhum político dos mais de 90 investigados foi condenado até o momento. Os procuradores justificam que a secretaria responsável por pesquisa e análise de material da PGR não é exclusiva para o caso Lava-Jato. Ligada ao gabinete do procurador-geral, a secretaria atende demandas de diferentes áreas. Também no Supremo o excesso de demandas é usado como motivo para a demora na tramitação dos casos: o juiz Sergio Moro trata exclusivamente da Lava-Jato, enquanto Teori é relator de ações de diversas áreas.

Advogados, ministros e investigadores dizem também que o STF não tem "vocação penal", ou seja, não tem estrutura para julgar crimes por ser uma Corte constitucional. A abrangência do foro privilegiado no Brasil e a intensificação das investigações fez com que, nos últimos dez anos, a chegada de novos inquéritos ao Supremo crescesse 162 vezes nos últimos dez anos, até 2015, de acordo com levantamento da Fundação Getulio Vargas no Rio.

Apesar das comparações com o Paraná, investigadores e advogados ouvidos pela reportagem avaliam que a Lava-Jato no Supremo caminha de maneira relativamente rápida.

A operação cresceu, foi desmembrada para dar mais celeridade às investigações e gerou novos inquéritos. Há ao menos 36 inquéritos da Lava-Jato sendo tocados pela PGR, duas ações penais e cinco denúncias oferecidas no âmbito do STF, além de investigações que derivaram da investigação, como as que apuram esquema na Caixa Econômica Federal.

Outros quatro inquéritos correm no Superior Tribunal de Justiça porque envolvem governadores.

A Polícia Federal está cumprindo diligências relacionadas às investigações abertas, tais como tomar depoimento, solicitar documento, entregar intimação e fazer perícia e análise de material.

Mas, como cada etapa da investigação no âmbito do Supremo depende de autorização do ministro Teori, o trâmite burocrático retarda o ritmo: para tomar um depoimento, a PF precisa pedir autorização -não pode simplesmente intimar o depoente. No caso de político, ele ainda tem a prerrogativa de marcar a data da oitiva.

A demora de algumas partes em fornecer informações também atrasa as investigações. Na semana passada, por exemplo, a PF relatou dificuldades em receber informações por parte da Câmara dos Deputados. Por duas vezes, a PF pediu as informações; na primeira, a Câmara informou que eram sigilosas e na segunda, simplesmente não respondeu, apurou a reportagem. A PF informou o ministro, que determinou o repasse dos dados, mas ainda não houve resposta.

Neste caso, os investigadores querem dados de parlamentares e assessores que integram o Comitê de Avaliação das Informações Sobre Obras e Serviços com Indícios de Irregularidades Graves (COI) entre 2011 e 2015. Delator na Lava-Jato, o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, disse que Thiago Cedraz, filho de Aroldo Cedraz, ministro do Tribunal de Contas da União, foi contratado para passar informações privilegiadas do COI e do TCU. Ele nega as acusações.

Segundo a PF, é necessário obter esses dados para "verificar, numa segunda camada investigativa, eventuais vínculos de parlamentares e servidores com os investigados no inquérito" e para isso, os investigadores precisam de nomes de parlamentares e assessores, além de dados como CPF, ramais e telefones celulares funcionais.

Apesar da quantidade de processos, algumas investigações que foram tocadas pela PGR já saíram da esfera do Supremo. São os casos como o do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - em que foram oferecidas três denúncias (duas recebidas) e com ao menos outros sete procedimentos - e do ex-senador Delcídio do Amaral - que foi preso, processado e virou delator -, por exemplo. Uma das ações em que Cunha é réu foi encaminhada ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região porque, além de Cunha, a prefeita de Rio Bonito (RJ), Solange Almeida, é ré no processo; a outra foi para o Paraná. Já a denúncia que envolve Delcídio foi para a Justiça Federal em Brasília.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4102, 30/09/2016. Política, p. A5