O ministro José Múcio Monteiro, relator de processo que apura responsabilidades pelas pedaladas fiscais de 2014, pretende pedir aos demais integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU) que isentem o ministro interino do Planejamento, Dyogo Oliveira, de punições pelas manobras fiscais. A corte de contas deve julgar o caso nas próximas duas semanas.
O TCU avalia a participação de 17 autoridades do governo Dilma Rousseff nas operações, que consistiram em atrasar repasses de recursos do Tesouro Nacional para bancos públicos pagarem obrigações com programas sociais e empréstimos subsidiados. Com isso, os saldos das contas desses programas ficaram negativos nas instituições, que tiveram de cobrir os gastos com dinheiro depositado pelos correntistas.
Um relatório preliminar, elaborado pelo gabinete de Monteiro, propõe aplicar penalidades mais severas a Arno Augustin, ex-secretário do Tesouro; e ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. O documento prevê a inabilitação de ambos para o exercício de cargos em comissão e funções de confiança. O relator, no entanto, ainda discutirá a situação de Mantega com outros ministros antes de concluir o voto a ser levado ao plenário.
Para o TCU, os atrasos de 2014, que voltaram a acontecer em 2015, configuraram empréstimos ilegais entre os bancos e seu controlador, a União, porque não foram autorizados pelo Legislativo. Esse entendimento embasou a acusação do processo de impeachment de Dilma, que se ateve às pedaladas de 2015.
O relatório também recomenda isentar de punições o ex-titular da Fazenda Nelson Barbosa e os ex-presidentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luciano Coutinho, da Caixa Jorge Fontes Hereda e do Banco do Brasil Aldemir Bendine. O documento prevê penalidades mais leves a ex-dirigentes do Banco Central, entre eles o ex-presidente Alexandre Tombini, que devem sofrer apenas multas por não registrar os passivos com os bancos na dívida do setor público. Para o gabinete, houve maquiagem das contas federais.
‘Lateral’. Dyogo Oliveira era ministro da Fazenda interino no primeiro mandato de Dilma, quando assinou uma das portarias que autorizaram o governo a retardar repasses do Tesouro para o BNDES. O relator do processo entendeu que a participação dele foi lateral, já que normativos anteriores, assinados por outras pessoas, é que instituíram a prática. O voto do relator será concluído até a semana que vem. A decisão pode fortalecer Dyogo Oliveira no governo. A Fazenda vem pressionando para que parte das atribuições do Planejamento passem à equipe de Henrique Meirelles. O Ministério Público de Contas (MPC) e os auditores do TCU, que também atuam no processo, divergem do relator.
Em seu parecer, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira propôs punir 11 autoridades com multas e o afastamento de funções públicas. Ele sugeriu, por exemplo, a inabilitação de Augustin, Oliveira, Mantega, Tombini e os ex-presidentes dos bancos públicos. Já os auditores querem isentar integrantes do BC e ex-presidentes de bancos. No caso de Oliveira, sugeriram apenas o pagamento de multa.
PARA LEMBRAR
A “pedalada fiscal” foi o nome dado à prática do Tesouro de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos (públicos e também privados) e autarquias, como o INSS. O objetivo era melhorar artificialmente as contas federais. Ao deixar de transferir o dinheiro, o governo apresentava todos os meses despesas menores do que elas deveriam ser na prática e, assim, ludibriava o mercado financeiro e especialistas em contas públicas.
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
A agenda de política econômica do governo de Michel Temer, a trajetória de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e, principalmente, a eficácia das medidas de ajuste fiscal no País para corrigir o crescimento da dívida pública estão entre os fatores que a agência de classificação de risco Fitch Ratings vai avaliar nos próximos meses no Brasil para determinar sua nota de crédito, disse a diretora para América Latina, Shelly Shetty. A crise política e a crise econômica levaram o Brasil a ter três rebaixamentos da nota soberana em cerca de um ano, disse a diretora na conferência anual de ratings soberanos da Fitch ontem em Nova York. “Olhando para frente, ainda vemos riscos de piora dos ratings da América Latina”, disse ela, citando além do Brasil problemas em outros países da região, como Equador, Argentina e Bolívia. Ela destacou como uma questão comum em várias economias da região a piora fiscal, com a dívida dos governos em alta, além de piora do ambiente político em vários mercados.
A América Latina está entrando em seu segundo ano de contração econômica e deve ter retração na casa de 1% este ano. Ao todo, seis países da região estão em recessão e a expectativa é que o Brasil volte a crescer em 2017, mas ainda em ritmo abaixo da tendência. “No Brasil, houve intensa contração do investimento por conta das incertezas políticas e econômicas”, afirmou Shelly. “A capacidade de resposta da política econômica e a credibilidade das ferramentas macroeconômicas serão críticas para determinar a trajetória do rating”, disse Shelly, destacando que a análise vale não só para o Brasil, mas para outros países com situação mais complicada na América Latina. “Perspectivas de crescimento do PIB e trajetória da dívida são outros fatores.” “Vamos olhar a agenda de política econômica de novos governos na região”, ressaltou a diretora da Fitch, citando Brasil, Argentina, Peru e República Dominicana.
No caso brasileiro, Shelly destacou que um ponto que será especialmente monitorado é a eficácia do ajuste fiscal. “Vamos olhar como os desafios na política têm impacto na implementação e execução de políticas econômicas.”
O Estado de São Paulo, n. 44894, 16/09/2016. Economia, p. A5