Correio braziliense, n. 19452, 28/08/2016. Economia, p. 8

Se ajuste fiscal não sair, crise será muito pior

Analistas dizem que Palácio do Planalto precisa acelerar a aprovação da PEC que limita gastos e a reforma da Previdência para crescimento voltar

Por: Paulo Silva Pinto e Antonio Temóteo

 

As previsões para a economia brasileira no próximo ano tendem a ser moderadamente positivas, mas estão longe de insignificantes as chances de a situação voltar a piorar. São várias as preocupações dos investidores e dos analistas de mercado: quanto à vontade e à capacidade do governo de enfrentar interesses, consolidando o ajuste fiscal e a aprovação de reformas, como a da Previdência; com relação à continuidade da valorização do real frente ao dólar, efeito colateral da melhora da economia brasileira, que pode adiar a retomada das exportações; no tocante à resistência da inflação, que impede a redução mais rápida da taxa de juros; e, de modo amplo, pelas incertezas no quadro global.

O cenário mundial reúne problemas diversos e até contraditórios. Isso quer dizer que há riscos para o Brasil caso a demanda se recupere e caso a retomada seja lenta. O desafio na condução da política econômica do país é driblar os dois tipos de problemas, assim como um técnico de futebol não deve escolher entre uma defesa eficiente e um ataque forte: precisa das duas coisas.

Um exemplo do que o país e o mundo enfrentam ocorreu na sexta-feira. Janet Yellen, a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), fez declarações em um evento que sugerem a alta dos juros nos Estados Unidos em setembro próximo, antes do previsto, provocando a alta da moeda norte-americana. Isso poderá reduzir a entrada de recursos estrangeiros no Brasil e postergar a redução da Selic, a taxa básica fixada pelo Banco Central (BC), de 14,25% ao ano.

O custo dos empréstimos é um dos maiores obstáculos à retomada dos investimentos. “Os juros ainda estão muito altos aqui para permitir uma recuperação mais forte”, ressalta o economista Renato Fragelli, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV).

 

Ociosidade

Quando se leva em conta a persistência da crise, há um aspecto que está no radar de poucos analistas. José Mário Camargo, economista-chefe da Opus Investimentos, é um deles. “Há uma capacidade ociosa enorme em todo o mundo”, destaca. Para ele, quando a demanda for retomada com força, as fábricas instaladas na China serão as primeiras a absorver novas encomendas, o que poderá adiar a recuperação no Brasil. A estimativa dele é de que o Produto Interno Bruto do segundo trimestre caia 0,6%. No ano, prevê redução de 3,2%.

Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), destaca que só a melhora das contas públicas pode mudar as perspectivas de crescimento do país. “A crise fiscal é profunda. Somente as reformas podem favorecer a retomada da atividade”, destaca. Fragelli vai na mesma linha. “É preciso melhorar o ambiente institucional com um tripé de reformas: A DRU (Desvinculação de Receitas da União), o teto de gastos públicos e a da Previdência. Sem qualquer uma dessas três, tudo desaba”, alerta.

Há muitas dúvidas sobre o que vai ocorrer de fato. “Claro que, ao buscar a aprovação de tudo isso, o governo vai ter de ceder em algo. Faz parte da negociação. Mas se as propostas forem desfiguradas, isso não vai ter efeito”, lembra Thaís Marzola Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados, para quem o PIB do terceiro trimestre cairá 0,6% e o do ano, 3,6%. Ela tem dúvidas de que mesmo no quarto trimestre se consiga resultado positivo — crescimento mesmo, só em 2017.

 

Fundo do poço

Vários analistas destacam que todo o quadro positivo que está se desenhando pode se reverter caso as reformas não sejam aprovadas, levando até mesmo a uma nova fase de recessão. “O fundo do poço está para trás. Mas, se as reformas não forem feitas, poderemos descobrir que o poço tem outro fundo, mais embaixo”, diz Eduardo Velho, economista-chefe da A2A INVX Global. “O mais importante é procedermos com o ajuste fiscal para que a economia se recupere nos próximos anos”, diz economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall.

 

Aumento da dívida

A economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, prevê queda de 0,6% do PIB no segundo trimestre e de 3% no ano. Na avaliação dela, o governo e o país não podem temer o eventual efeito recessivo do ajuste fiscal, pois, sem a retomada dos superavits primários e a reversão do aumento da dívida, não haverá retomada sustentada do crescimento. “Muitos associam o ajuste à recessão. Entretanto, quanto mais rápido ele for executado, com maior velocidade sairemos da crise”, afirma.