Correio braziliense, n. 19452, 28/08/2016. Mundo, p. 12

Duelo na economia

A menos de dois meses da eleição, os presidenciáveis tratam de apresentar seus planos para gerar empregos e resgatar a classe média. A política tributária está no centro da disputa entre Hillary Clinton e Donald Trump

Por: Gabriela Freire Valente

 

É ela de novo. Duas décadas depois de Bill Clinton ter chegado à Casa Branca usando o slogan de campanha “é a economia, estúpido”, na eleição de 1992, as propostas para geração de empregos, distribuição de renda e reaquecimento da produção norteiam a disputa deste ano entre Hillary Clinton e Donald Trump. Embora os indicadores macroeconômicos (leia ao lado) mostrem que os Estados Unidos se recuperaram da crise de 2008/2009, a estagnação da classe média e as crescentes desigualdades no país alimentam a insatisfação dos eleitores.

Embora a perspectiva para 2016 seja de crescimento do PIB, com inflação abaixo de 1%, a renda média familiar declinou durante os oito anos de governo Barack Obama. Cientes das insatisfações da classe média, os presidenciáveis brigam para convencer os eleitores de que têm as melhores propostas para gerar postos de trabalho e assegurar o sonho americano.

Com algumas diferenças no discurso, Hillary e Trump têm defendido o aumento do salário mínimo, investimentos em infraestrutura, acordos comerciais mais vantajosos para os EUA e o fortalecimento da indústria. O grande contraste está nas propostas para a reforma tributária. Enquanto a democrata (governista) quer taxar mais fortemente a parcela mais rica dos contribuintes, para investir no social, o candidato da oposição republicana prega um corte significativo da tributação para empresas e milionários, a fim de estimular os investimentos e expansão dos negócios.

 

Comparação

Embora o plano da ex-primeira-dama soe um pouco mais à esquerda, uma pesquisa da Associação Nacional para Negócios Econômicos (Nabe, em inglês) mostra que 55% dos economistas do mercado acreditam que Hillary faria um melhor trabalho na condução da economia. Além de ela ser uma figura conhecida dos empresários americanos, a imprevisibilidade de Trump e a ausência de detalhes sobre a aplicação das propostas não favorecem o magnata.

William Fox, professor de economia e negócios da Universidade do Tennessee, observa que as propostas do republicano — como a ideia de mudar as regras de tributação para empresas que operam fora dos EUA e eliminar impostos sobre a repatriação de recursos — podem trazer impulso a curto prazo, mas representariam um corte “dramático” na arrecadação e nas reservas federais. “A longo prazo, o país acabaria com um grande deficit, e não tenho ouvido nenhum dos dois candidatos falando sobre corte de despesas”, observa. Ele lembra, porém, que propostas de ajustes nos gastos podem ser bloqueadas no Congresso.

Embora considere salutar o compromisso de um governo com a responsabilidade fiscal, Alan Deardorff, professor do Departamento de Economia e Políticas Públicas da Universidade de Michigan, pondera que a situação das reservas americanas, somada aos juros baixos, permite que o país se dê ao luxo de ampliar os gastos públicos. “Há uma série de razões que indicam que pode ser apropriado elevar a dívida para ampliar os gastos em infraestrutura e melhorar programas sociais. O problema é que não é isso o que Trump tem em mente”, critica.

Deardorff ressalta que, enquanto o republicano quer aliviar a carga tributária dos mais ricos, Hillary tende a elevar os impostos de forma moderada e reinvestir em medidas de estímulo mais seguras. “Não me surpreende que gente do mercado se oponha a ele. Suas visões econômicas tendem a ser selvagens, e não acho que ele tenha noção do que é bom para a economia”, argumenta. “Ele é visto como alguém que tem um histórico de várias falências e que parece ter feito disso uma técnica para ganhar mais dinheiro.”

Stephen Barnes, economista da Universidade Estadual da Louisiana, concorda que reaquecer a indústria nacional é uma boa ideia para gerar empregos, mas ressalta que isso não é suficiente. Ele considera os investimentos em infraestrutura fundamentais para criar postos de trabalho e ampliar a capacidade produtiva de outros setores.

Enquanto Hillary pretende destinar US$ 275 bilhões para infraestrutura, Trump não apresentou detalhes da proposta para o setor. “O plano dela também prevê investimentos em educação. Isso não é uma solução a curto prazo, mas é parte muito importante de uma solução com crescimento sustentável”, pondera Barnes.

 

Comércio

No campo comercial, os analistas consultados pelo Correio acreditam que, seja quem for o eleito, a tendência é de crescimento do protecionismo americano, o que pode afetar as exportações brasileiras. Apesar de a ex-secretária de Estado ter sido uma das defensoras do livre-comércio, Barnes suspeita que suas críticas aos acordos internacionais podem ter sido um cálculo político para se ajustar ao atual cenário. Trump tem falado mais sobre a proteção da indústria americana, e suas ações no setor são consideradas menos previsíveis.