Correio braziliense, n. 19451, 27/08/2016. Cidades, p. 21

Cresce pressão pela cassação de distritais

Protesto na frente da Câmara está marcado para a amanhã. Ontem, houve mais um pedido de processo por quebra de decoro da Mesa Diretora. No Brasil, existem outros casos em que a cúpula da Casa Legislativa foi totalmente afastada

Por: Isa Stacciarini

 

Partidos políticos e sociedade civil organizada se articulam para enfraquecer o poder dos deputados distritais investigados no suposto esquema de liberação de sobra de emendas parlamentares para pagamento de dívidas de UTIs mediante pagamento de propina. Além das representações contra a permanência dos parlamentares nos cargos públicos, grupos organizam manifestações para pedir a cassação deles. Amanhã, um ato simbólico de faxina em frente à Câmara Legislativa do DF — com vassouras, rodos e baldes — foi convocado pelas redes sociais. Na tarde de ontem, o Legislativo local recebeu a segunda ação contrária aos parlamentares. Militantes do PSol, que historicamente age na Justiça em episódios do tipo, comparecerem à Casa para protocolar o ofício.Comandados pelo presidente da legenda local, Antônio Carlos de Andrade, o Toninho, integrantes do partido pediram a cassação dos distritais envolvidos em corrupção. Segundo o líder, é necessário primeiro investigar os fatos para que seja verificada a necessidade de quebra de decoro parlamentar. Ele ressaltou que, se ficar constatado o esquema, os envolvidos precisam ser cassados da vida pública. “Não se pode manter um mandato com denúncias tão graves como essa. Quando se pensa que as figuras públicas estão coagidas para não fazer coisas erradas, aparecem escândalos sucessivamente. Vivemos um período da história em que a instituição do parlamento está por baixo”, lamentou.

Toninho destacou que o movimento quer a efetiva instauração do processo por quebra de decoro da Mesa Diretora da Câmara Legislativa. “Ao final, constatado tudo isso e ferindo o Código de Ética, que os envolvidos percam o mandato. Em outras unidades federativas têm surgido denúncias gravíssimas de uso de dinheiro público, tráfico de influência e compra de votos”, alegou.Em Brasília, o PSol já moveu ação por quebra de decoro contra o ex-governador José Roberto Arruda, na época da Caixa de Pandora, e o Joaquim Roriz no cargo de senador, quando ele se envolveu no esquema conhecido como Bezerra de Ouro. Além deles, o partido atuou para a perda do mandato do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha — denunciado por causa do esquema de corrupção na Petrobras — e para a cassação do senador Demostenes Torres — acusado de beneficiar o empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, no esquema de exploração de jogos ilegais.

 

 

Lavagem

Organizador do movimento de amanhã, o servidor público e presidente da Associação Brasiliense de Amparo ao Fibrocístico (ABRAFC), Fernando Gomide, ressaltou que a faxina simbólica é para pedir a cassação dos deputados envolvidos no escândalo da saúde, além de protestar contra a atual situação no setor, com falta de remédios e carência nos hospitais. O grupo pretende levar macas e mencionar o número de mortos por falta de UTI. “A nossa grande preocupação é com o dinheiro roubado da saúde. Vamos reunir famílias de pacientes de diversas patologias, como síndrome de Down, autismo, câncer, hemofílicos e fibrose cística. Estamos indignados com o roubo. Enquanto as pessoas estão morrendo, nossos deputados estão preocupados em roubar”, frisou Gomide, que espera 300 pessoas, a partir das 9h até as 12h.Enquanto isso, promotores do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e policiais da Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap) seguem na análise de documentos, computadores e mídias apreendidas na operação Drácon. O ex-diretor do Fundo de Saúde Ricardo Cardoso, único investigado no esquema UTIgate que ainda não tinha prestado depoimento, compareceu na tarde de quinta-feira à unidade especializada da Polícia Civil acompanhado do advogado. Policiais ouviram o suspeito por aproximadamente três horas.Entretanto, segundo o delegado-chefe da unidade, Alexandre Linhares, Ricardo não detalhou o depoimento. “Ele compareceu espontaneamente com o advogado, após contato do defensor. Mais de 20 policiais estão debruçados nos trabalhos para, depois que forem feitos os relatórios e laudos, traçarmos novas estratégias”, esclareceu. “Queremos analisar tudo o quanto antes, porque precisamos desafogar as seções do material.”

 

 

Entenda o caso

De emenda e gravações

A sobra de emenda parlamentar no fim do ano passado, no valor de R$ 31 milhões, seria destinada a reformas de escolas da rede pública, mas R$ 30 milhões acabaram liberados para dívidas do GDF com empresas de UTIs em gestões passadas. Um dos parlamentares, que não faz parte da cúpula, ajudaria a conseguir retorno de parte da verba como pagamento de propina para quitar despesas de campanha. A então vice-presidente da Casa, Liliane Roriz (PTB), gravou a presidente afastada da Câmara, Celina Leão (PPS), e o então secretário-geral, Valério Neves Campos, preso na operação Lava-Jato. Os dois teriam falado sobre a suposta propina, envolvendo ainda os nomes dos distritais Bispo Renato (PR), Júlio César (PRB) e Cristiano Araújo (PSD). Na terça-feira, 18 promotores, investigadores da Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap) e 100 policiais de unidades especializadas participaram da Operação Drácon. A ação cumpriu 14 mandados de busca e apreensão, oito de condução coercitiva e quatro pedidos de afastamento cautelar.

 

Ações já começaram

Na quinta-feira, integrantes da União dos Auditores Federais de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (Auditar), do Observatório Social de Brasília e do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC) protocolaram pedidos de cassação dos mandatos dos integrantes da Mesa Diretora da Casa, temporariamente afastados pela Justiça: Celina Leão (PPS), Raimundo Ribeiro (PPS), Júlio César (PRB) e Bispo Renato Andrade (PR); além do deputado Cristiano Araújo (PSD), membro da CPI da Saúde.

_______________________________________________________________________________________________________

Outros afastamentos

Por: Isa Stacciarini

 

Uma nova investigação sobre o caso UTIgate foi aberta. Auditores do Tribunal de Contas do Distrito Federal vão analisar pagamento de dívidas de serviços da especialidade pela Secretaria de Saúde do DF, após representação do Ministério Público de Contas (MPC). O trabalho, segundo o TCDF, será tratado com urgência. O MPC indicou irregularidades no pagamento. Segundo a Justiça, a suspeita é de que o desembolso dos valores não observaram a ordem decrescente por exercício e a ordem cronológica de reconhecimento de dívidas, como prevê a Lei de Licitações.Antecipadamente, a Justiça afastou os envolvidos da Mesa Diretora da Câmara. Há episódios semelhantes de membros da alta cúpula do Legislativo de municípios de Alagoas e Mato Grosso do Sul. O mais recente caso ocorreu em julho, na Câmara Municipal de São José da Laje, na zona da mata alagoana. Vereadores que compunham os cargos majoritários tiveram que sair da função por 180 dias acusados pelo Ministério Público Estadual de improbidade administrativa. Eles são suspeitos de nomear parentes para os cargos de provimento em comissão, com o pagamento de gratificações ilegais e sem o devido exercício das funções, além de colocarem em cargos funcionários fantasmas.

Em junho de 2014, quatro vereadores tiveram que deixar a Mesa Diretora da Câmara Municipal de União dos Palmares (AL), também por suspeita de atos de improbidade administrativa. A diretoria de uma associação de taxistas denunciou a aprovação de um projeto de lei que teria sido feito sem o quórum necessário de vereadores. No mesmo ano, oito vereadores foram afastados da Mesa Diretora da Câmara Municipal do Município de Ribas do Rio Pardo (MS), após a Operação Viajantes. A ação investigou a farra das diárias e contratos fraudulentos com rombo da ordem de R$ 3,5 milhões em menos de dois anos da primeira gestão da Câmara. (IS)