Uma presidente à própria sorte

 
04/07/2016
Paulo de Tarso Lyra

 

O PT, especialmente no Senado, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desistiram da presidente afastada, Dilma Rousseff. Isso não significa uma ratificação ao governo interino de Michel Temer, nem o fim dos ataques ao peemedebista, chamado de golpista e traidor pelos petistas. Mas a constatação de que um pós-Temer não passa pela conclusão do mandato de Dilma até 2018. “O povo não quer a volta dela”, resignou-se Lula, em conversa com alguns correligionários há duas semanas, na sede do instituto que leva seu nome, em São Paulo.

Por isso, os senadores defendem, cada vez mais, o discurso de novas eleições, em vez do simples retorno da presidente afastada. Essa constatação vem por diversas formas. A primeira delas é que o PT e os movimentos sociais não conseguiram incendiar o país após o afastamento de Dilma do poder. Apesar do aparente sucesso do crowdfunding Catarse, que conseguiu arrecadar R$ 500 mil para garantir as viagens da petista, as ruas não responderam com a mesma intensidade que os dirigentes partidários esperavam. Pesou muito, na visão de alguns interlocutores do partido, a ausência de Lula em diversas manifestações. “Lula está muito baqueado por causa da família. Todos sentem quando familiares são envolvidos em investigações. Mas ele, pessoalmente, ainda não se recuperou totalmente após a pressão que vem sendo exercida sobre o filho dele, Luís Cláudio Lula da Silva, na Operação Zelotes”, disse um integrante do partido que acompanha de perto a defesa da presidente. A presidente vai apresentar a defesa do impeachment no Senado na quarta-feira.

Outro incômodo é a postura, considerada por muitos como arrogante, da presidente afastada. Daqui a nove dias, em 12 de julho, ela completará dois meses fora do Palácio do Planalto. Nestes quase 60 dias, em nenhum momento, foi capaz de fazer uma autocrítica sobre os erros cometidos, tanto na política quanto na economia. Sequer conseguiu apresentar uma plataforma mínima de sugestões para tirar o país da crise, caso volte ao poder após a votação final do impeachment no Senado, prevista para o fim de agosto.

 

Carta ao povo

“Tivemos um debate onde surgiu a ideia de uma nova carta ao Povo Brasileiro”, afirmou ao Correio o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). “Ela vai colocar, nessa carta, uma contraposição ao que aí está, ao modelo que está tentando ser implantado pelo governo Temer”, completou ele. Mas o próprio Teixeira, que esteve com a presidente em uma reunião no Palácio da Alvorada na semana passada, junto com outros integrantes da Executiva Nacional, desconhece quais as propostas que Dilma poderia elencar neste documento para tornar-se crível perante a sociedade.

O receio de alguns setores do partido é de que Dilma consiga voltar ao poder e acredite que foi o anseio popular que a levou de volta. Isso ficou patente nas eleições de 2014 quando, segundo alguns petistas com poder decisório, Dilma convenceu-se de que os movimentos sociais a abraçaram para garantir a vitória, apertada, no segundo turno, contra o tucano Aécio Neves (PSDB-MG). “Ela simplesmente desprezou o fato de Lula ter se empenhado pessoalmente para convencer as pessoas a apoiarem a continuidade do projeto do PT. Ela achou, sinceramente, que o magnetismo pessoal dela foi o catalizador da reação”, lamentou um integrante da Executiva.

Na semana que passou, a bancada do PT no Senado reuniu-se com o presidente nacional do PT, Rui Falcão. A exemplo de Dilma, Falcão também vem sendo bastante criticado como alguém incapaz de fazer a transição de que o PT necessita atualmente. No encontro, ele disse que o partido tem dificuldades para encampar a proposta de novas eleições, defendida pelos senadores petistas. “Falcão, é a única saída. Ninguém aqui tem condições de defender outra proposta que não seja essa. Não dá para a Dilma voltar e concluir o mandato”, declarou um senador a Falcão. Ninguém presente contestou. No quórum, estavam empedernidos críticos de Temer e do golpe, como Lindberg Farias (PT-RJ), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Fátima Bezerra (PT-RN).

Os aliados de Dilma admitem que há a dificuldade de ela sequer manter os 22 votos que conseguiu na primeira votação, que aprovou a admissibilidade do processo de impeachment. Eles reclamam que a pressão do Planalto está muito intensa, com a sinalização de cargos, emendas, e apoio nas eleições municipais, como é o caso de Romário (PSB-RJ), que disputará a prefeitura do Rio em outubro e ainda conseguiu emplacar Rosinha da Adefal na Secretaria Nacional das Pessoas com Deficiência Física.

 

Frase

“Numa nova carta ao Povo Brasileiro, Dilma vai mostrar contraposição ao governo Temer”

Paulo Teixeira (PT-SP), deputado federal

 

Correio braziliense, n. 19397, 04/07/2016. Política, p. 2