Proteção às vítimas

 
04/07/2016
Julia Chaib

 

O caso que chocou o Brasil – o estupro coletivo de uma menina de 16 anos no Rio de Janeiro, em maio – , colocou à mostra, além da brutalidade do crime, um outro problema enfrentado pelas vítimas de violência: a excessiva exposição do trauma durante o processo do interrogatório. O tema é assunto de um projeto de lei, da autoria da deputado Maria do Rosário (PT-RS), que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. Ele estabelece um novo tipo de protocolo para depoimentos prestados por crianças e adolescentes no processo anterior e no Judiciário. Pesquisa feita 7ª Vara de Justiça do Rio Grande do Sul, que alterou a forma de conduzir os depoimentos, de maneira a respeitar as especificidades da vítima, mostra que, nestes casos, as probabilidades de se chegar ao agressor vão de 5% para até 70%.

O PL 3792/2015 estabelece a “escuta qualificada” e o “depoimento especial” das vítimas de violência, para que não tenham que “recontar” suas histórias, por exemplo, ou sejam submetidas a situações de constrangimento. Alguns fóruns no país já usam esse tipo de procedimento, mas a lei visa estabelecer o protocolo em forma de lei. A proposta estipula formas de conduta para os atos de integrantes do judiciário, da assistência social, da saúde e de outros envolvidos no processo de atendimento.Segundo o processo tradicional, a vítima pode ser levada a depor de três a seis vezes, nos diversos processos de investigação, a começar pelo atendimento no centro de saúde. O modelo proposto pelo projeto prevê que a vítima fale apenas durante a escuta, cuja fala pode servir para os mais diversos, e o depoimento especial na Justiça.

O projeto prevê, por exemplo, a mínima intervenção das autoridades. Prevê também a participação da família e da vítima sobre o planejamento de sua participação na ocorrência e todo o atendimento. Segundo o projeto, a criança tem o direito de não ter contato com o acusado, antes, durante ou depois do depoimento. Diz ainda que a intervenção tem que ser o mais rápido possível e de acordo com suas especificidades. Cada profissional tem seus papeis esclarecidos e, para que isso ocorra, serão criados Centros Integrados de Atendimento.

No caso do estupro da jovem no Rio, por exempo, o delegado Alessandro Thiers, que então conduzia as investigações do estupro coletivo, acabou afastado. Na delegacia de polícia, a jovem de 16 anos foi questionada pela polícia se ela tinha o hábito de participar de sexo em grupo. A forma como o depoimento foi conduzido fez a advogada da menina, Eloísa Samy, pedir o afastamento do titular da Delegacia de Repressão aos crimes de Informática (DCRI), Alessandro Thiers.

O secretário executivo da Childhood Brasil, Rodrigo Santini, diz que as crianças e adolescentes acabam passando por um processo de “revitimização secundário”, depois da violência em si. “O médico não precisa saber quem bateu ou quem abusou sexualmente dessa criança. Assim como um conselheiro tutelar não precisa pedir para baixar a calcinha para entender o que aconteceu, não é o seu papel”, disse.

 

Frase

“O médico não precisa saber quem bateu ou quem abusou sexualmente dessa criança. Assim como um conselheiro tutelar não precisa pedir para baixar a calcinha para entender o que aconteceu, não é o seu papel”,

Rodrigo Santini, secretário-executivo da Childhood Brasil

 

Correio braziliense, n. 19397, 04/07/2016. Brasil, p. 5