Brasil é bronze em homicídios de crianças

 

 04/07/2016

 

A violência está roubando a vida de crianças e jovens brasileiros. Estudo da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flasco) — Violência letal contra crianças e adolescentes do Brasil — divulgado na quinta-feira, revela que, entre 1980 e 2013, as causas externas (trânsito, homicídios e suicídios) cresceram 22,4% enquanto as naturais tiveram redução de 78,5%. Três anos atrás, 75.893 crianças e adolescentes morreram, sendo 13,9% por homicídio. A cada dia, 29 indivíduos na faixa de 10 a 19 anos são assassinados no país. No universo de 85 nações, o Brasil é o terceiro mais perigoso para o segmento infantojuvenil. No recorte raça/cor, o número de negros mortos é três vezes maior do que o de brancos.

O estudo constata que a brutalidade contra os jovens não é restrita aos centros urbanos. Ela se estende ao interior e tem como causa relevante a ausência de políticas sociais. O suicídio de crianças e jovens indígenas, na faixa de 9 a 18 anos, vem aumentando a cada ano. Em uma década (de 2003 a 2013), passou de 1,9   para 2,1 casos em 100 mil, ou seja, quase dois por dia. “Uma verdadeira situação pandêmica”, classifica o relatório da Flasc. Entre 89 países, o Brasil detém a 53ª posição no ranking de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos que adotam a medida extrema.

Enquanto o vírus da Aids matou 12.564 pessoas em 2013, o número de homicídios de crianças e adolescentes chegou a 10.520. A Organização Mundial de Saúde conseguiu mobilizar as nações, inclusive o Brasil, e levá-las a deflagrar campanhas de prevenção e realizar investimentos para conter a epidemia. Em relação à violência, a letargia do Estado permite o seu avanço. Em  Alagoas, no Espírito Santo e no Ceará, as taxas chegam a 30 assassinatos de crianças em 100 mil — quase o dobro da nacional, que é de 16,3 por 100 mil. Em contrapartida, Santa Catarina e São Paulo têm taxas em torno de 6 por 100 mil, ou 1/3 da média nacional.

Os dados mostram que não dá para dissociar os índices de violência do grau de desenvolvimento das unidades da Federação. Também é possível identificar que a expansão das agressões não mereceu do poder público a atenção devida, como ocorreu com a Aids, quando as campanhas ampliaram o grau de conscientização das pessoas, que adotaram comportamento preventivo a fim de evitar a infecção. Não bastasse, entre as causas externas de mortalidade de crianças e jovens, pesam nas elevadas taxas a violência no trânsito e as ciladas decorrentes da falência da saúde pública — a demora na prestação de socorro ou atendimento inadequado nas unidades hospitalares.

Apesar do cenário desalentador para a juventude, ainda há movimentos dentro do Congresso Nacional, patrocinados por grupos retrógrados, que atuam para reduzir a maioridade penal e reformar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que neste mês completará 26 anos no próximo dia 13. Em vez de jogar adolescentes na cadeia e reforçar eventuais desvios de comportamento, o mais sensato seria direcionar esforços para eliminar as causas do avanço da mortalidade infantojuvenil por homicídio.

Não faltam especialistas no país com diagnósticos e propostas para reverter tamanho descalabro. Falta determinação dos gestores para garantir a vida dos jovens e assegurar-lhes segurança, saúde, educação e condições dignas de vida. Até agora, revelam os números, o Estado brasileiro fez a opção pelo caminho mais fácil: empurrar o que desabona a imagem do país para debaixo do tapete.

 

Correio braziliense, n. 19397, 04/07/2016. Opinião, p. 8