Correio braziliense, n. 19454, 30/08/2016. Economia, p. 10
Com impeachment certo, dólar cai e bolsa dispara
Investidores já estão de olho na capacidade que Michel Temer terá para aprovar reformas no Congresso e arrumar as contas públicas. Dilma Rousseff virou passado. Moeda norte-americana foi cotada a R$ 3,232. Ibovespa caminha para os 60 mil pontos
Por: Rosana Hessel
A defesa veemente da presidente afastada, Dilma Rousseff, ontem, no Senado Federal, não mudou a percepção dos investidores sobre o resultado do processo de impeachment, que deve ser anunciado até amanhã. Todos dão como certa a destituição definitiva da petista, cujo discurso de defesa foi carregado de emoção e acusações. Para os especialistas, Dilma não apresentou fato novo para alterar o resultado esperado e deu mostras da incapacidade para voltar ao comando do país. Com isso, o Ibovespa, principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), encostou em 60 mil pontos ao longo do dia, encerrando o pregão com alta de 1,55%, a 58.610 pontos. Já o dólar caiu 1,21%, cotado a R$ 3,232 para a venda.
Mas nem tudo é euforia. Os investidores estão preocupados com o que virá quando o presidente interino, Michel Temer, for efetivado no cargo. Apesar de o peemedebista e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ratificarem, constantemente, que o ajuste fiscal é para valer e que há um compromisso da base aliada para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior, o sentimento de desconfiança ronda o ambiente. O PMDB, partido de Temer, sinalizou que não dará aval para a PEC e vem trabalhando pesado para aprovar o aumento dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), algo que terá impacto devastador nas contas públicas, pois elevará o teto do funcionalismo, prejudicando ainda mais as contas de estados e municípios.
“Muitos acreditam que o pior momento do governo Temer foi durante a interinidade. Mas a dificuldade começa agora. Será complicado aprovar a PEC dos gastos e a reforma da Previdência”, disse a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington. Para ela, o avanço de reformas é duvidoso com uma base aliada tão heterogênea e com falta de consenso dentro do próprio PMDB. “O mercado vai se dar conta de que não haverá reformas com o novo governo. Temer é um político tradicional, e a única esperança que dá para ter é se ele conseguir que o plano de privatizações avance e ajude a salvar a economia”, completou.
Funcionalismo
Segundo Monica, o circo que está ocorrendo no Senado vai continuar. “O que vemos é o prelúdio de tempos difíceis para Temer”, resumiu. O risco de o PMDB se transformar para o presidente interino no que foi o PT para a Dilma não está descartado. A torcida é para que o peemedebista tenha força para conter qualquer rebelião e consiga aprovar a PEC dos gastos rapidamente e, assim, abrir as portas para batalhas mais pesadas, como a reforma da Previdência.
Na avaliação do economista Alexandre Cabral, sócio da NeoValue Consultoria, há consenso no mercado de que a crise é pesada e, se a confiança em Temer é pouca, em Dilma é zero. “Vamos ver se Temer fará o que precisa ser feito. A expectativa dos agentes econômicos é grande por um ajuste fiscal consistente”, disse ele, criticando a série de reajustes concedidos ao funcionalismo e que ajudaram a piorar as contas públicas. “Temer tem maioria no Congresso e precisará aproveitar esse momento. Espero que ele comece a tomar medidas para cortar as despesas e seja corajoso para levar adiante a reforma da Previdência, algo que nem Lula nem FHC fizeram”, destacou.
Para o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, assim que o impeachment for confirmado, a parcimônia do mercado em relação ao governo estará com os dias contados. “Acabou a condescendência. Temer terá que mostrar mais efetividade em relação ao ajuste fiscal. Vamos ver se ele consegue ter governabilidade suficiente para conduzir o ajuste que o mercado espera”, afirmou. Ele prevê alta de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 e ainda está reticente quando à recuperação da atividade neste segundo semestre. “O governo espera a retomada dos investimentos, mas isso vai demorar. Só ocorrerá quando a indústria conseguir desovar os estoques”, completou.
No entender do economista Carlos Thadeu Freitas Gomes Filho, sócio da MacroAgro Consultoria, a saída definitiva de Dilma do poder e a capacidade de Temer de encaminhar as reformas necessárias para a retomada do crescimento e do equilíbrio fiscal farão com que o país cresça até 3% no ano que vem. O movimento será sustentado por uma onda de investimentos que está represada. “O Brasil pode entrar em uma espiral positiva por algum tempo. A duração, se duradoura ou um voo de galinha, dependerá das reformas estruturais”, disse.
Thadeu descarta qualquer risco de acomodação de Temer. “Ele tem o voto de confiança do mercado e sabe que, quando interino, operou de maneira correta para maximizar a permanência no poder. Após o impeachment, precisará assumir postura mais firme. À medida que conseguir aprovar as reformas, a economia voltará a andar, dado que o dólar já deu um impulso à indústria ”, destacou. “A partir do momento que o governo passar a ter mais equilíbrio, mostrando que a crise política foi superada, é possível que uma parte dos US$ 200 bilhões que estão rodando no mercado externo possa ser direcionada ao Brasil. Mas isso só deverá ocorrer se os Estados Unidos não aumentarem os juros”, alertou Reginaldo Carvalho, gerente de Câmbio da Treviso Corretora
Intervenção no câmbio
Com o dólar em queda, o Banco Central anunciou mais uma intervenção no mercado de câmbio. Hoje, leiloará mais 10 mil contratos de swap reverso, espécie de compra da moeda norte-americana no mercado futuro, no valor de US$ 500 milhões. “O BC voltou a intervir com mais frequência no mercado para tentar segurar o dólar em torno de R$ 3,20 e, assim não impor perdas aos exportadores. Se o dólar a R$ 4 é um problemão para a inflação, a R$ 2,80 também é, porque reduz a competitividade do país no exterior”, disse o economista Alexandre Cabral, da NeoValue.