Correio braziliense, n. 19448, 24/08/2016. Cidades, p. 19

Ação inédita derruba a cúpula da Câmara

Polícia Civil e MP fazem operação de busca e apreensão de documentos, computadores e bens de envolvidos em suposta cobrança de propina na Saúde. Celina Leão e outros integrantes da Mesa Diretora da Casa são afastados por decisão judicial

Por: Rafael Campos, Isa Stacciarini, Helena Mader e Nathália Cardim

 

A crise na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) chegou ao momento mais crítico com a deflagração da Operação Drácon, que apura suposta cobrança de propina sobre créditos orçamentários no valor de R$ 30 milhões para o pagamento de dívidas de UTI. A Justiça tomou uma decisão inédita na história do DF de afastar a presidente da CLDF, Celina Leão (PPS), e de toda a Mesa Diretora da Casa, que incluía os deputados Raimundo Ribeiro (PPS), Bispo Renato (PR) e Júlio César (PRB). Foram emitidos 14 mandados de busca e apreensão, oito de condução coercitiva e os quatro pedidos de afastamentos cautelares que retiram os parlamentares dos cargos na Mesa.
Celina fica afastada da Presidência da Câmara até o fim das investigações. A decisão pelos afastamentos cautelares veio no último domingo, tomada pelo desembargador Humberto Adjuto Ulhôa, vice-presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). O processo, agora, será designado a um relator, que vai conduzi-lo até o fim. Todos os cinco parlamentares prestaram depoimento na Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap). Eles não estão impedidos de exercer os mandatos. Além deles, os ex-servidores da CLDF Alexandre Braga Cerqueira e Valério Neves Campos, bem como o ex-presidente do Fundo de Saúde do DF Ricardo Cardoso dos Santos são investigados — esse último não prestou depoimento porque estava em São Paulo. Os deputados depuseram pela manhã, mas não falaram com a reportagem.
Em coletiva, o promotor do MPDFT Clayton da Silva Germano afirmou que o vazamento dos áudios feitos pela deputada Liliane Roriz (PTB) na última semana adiantou a operação. “Ela veio ao conhecimento público antes do momento em que nós julgávamos oportuno. As investigações estão em curso e são sigilosas”, frisou, negando que tenha havido vazamento da ação. De acordo com Germano, a decisão do afastamento cautelar dos distritais ocorreu por causa da imputação da prática de crime à Mesa Diretora. “No entender do Ministério Público, a presença dessas pessoas poderia comprometer os trabalhos da Câmara e as investigações”, explicou.
Os promotores informaram que somente após a análise de todo o material apreendido — só de malotes foram 14, de acordo com a Polícia Civil — poderão ser traçados os direcionamentos das investigações. A operação também apreendeu R$ 16 mil, entre dinheiro em espécie e joias, mas os promotores não disseram de que local o valor veio. No total, 18 promotores atuam no caso. Nenhum dos mandados de condução coercitiva precisou ser cumprido, pois todos os envolvidos se apresentaram para depor na Decap.



Chaveiro

Os policiais civis e representantes do MPDFT chegaram às 6h10 na Câmara Legislativa para cumprir os 14 mandados de busca e apreensão acompanhados de um chaveiro. Ele abriu as portas dos gabinetes dos deputados — as fechaduras teriam sido trocadas no início desta semana pela Presidência da Casa. A Decap mobilizou 74 agentes para a operação. Eles reviraram gavetas das salas e saíram da Câmara com malotes, caixas com documentos e computadores. “É uma faxina na política do DF. Estamos construindo essa parceria com o Ministério Público e com o Poder Judiciário porque não podemos mais permitir a falência do Estado com condutas não republicanas. Enquanto poucas pessoas estão enriquecendo, muitas outras morrem”, comentou o diretor-geral da Polícia Civil, Eric Seba.
O advogado José Francisco Fischinger, que acompanhou o depoimento de Bispo Renato e trabalha no escritório que representa também Celina Leão, Cristiano Araújo e Júlio César, afirmou que os procedimentos de busca e apreensão ocorreram de acordo com a legalidade. “Nós colaboraremos com a Justiça, assim que tivermos conhecimento do que está se passando. Ele (Renato) não prestou declaração sobre fato algum, até porque não sabemos exatamente o que existe.” 
Em nota, o PSD, de Cristiano Araújo, manifestou apoio às investigações, garantindo que confia “na observação dos princípios jurídicos/constitucionais de ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal assegurados a todos os cidadãos (ãs) brasileiros (as).”


Leis severas

O estadista Drácon legislou sobre Atenas com um código bastante severo e intransigente. Logo, o termo “draconiano” passou a ser usado para o rigor punitivo. O principal mérito foi a diminuição dos privilégios da aristocracia local.

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Suspeita de vazamento

 

O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) investiga o suposto vazamento de informações sobre a Operação Drácon, principalmente em relação ao cumprimento de mandados de busca e apreensão e de condução coercitiva. Segundo o deputado distrital Chico Vigilante (PT), um assessor da presidente afastada da Câmara Legislativa, Celina Leão, retirou computadores da Casa na segunda-feira à tarde, véspera da ação. Ele seria o servidor do STJ Sandro de Moraes Vieira. “Uma vez provado, que fique claro de quem são os computadores, por que levou e para quem levou”, disse o petista.

À tarde, três peritos da Polícia Civil, um técnico de informática da corporação e um representante do MPDFT estiveram com o coordenador da Polícia Legislativa na sala da segurança da Casa para analisar as imagens do circuito interno. “Elas serão avaliadas e, se houve subtração de elementos de provas, nós investigaremos e chegaremos ao autor”, afirmou Luiz Henrique Ishihara, promotor de Defesa da Saúde, apesar de o coordenador da Polícia Legislativa ter afirmado que nenhuma imagem suspeita foi vista. O promotor e assessor criminal da Procuradoria-Geral de Justiça Geraldo Macedo reforçou a avaliação: “Se houve tentativa de ocultação de provas, nós tentaremos reverter essa ocorrência”.
Sandro Vieira tem o nome envolvido em outros escândalos políticos. Em 2005, na CPI da Educação, ele era assessor da deputada Eurides Brito e chegou a ser indiciado por indícios de sonegação fiscal e crimes contra a ordem tributária. Em nota, Sandro garantiu que não retirou qualquer prova da Câmara e disse ter procurado voluntariamente o MPDFT para prestar esclarecimentos.
Além da suposta retirada de computadores, causou estranheza que o ex-secretário-geral da Câmara Valério Neves não estava em casa, no Lago Sul, durante a tentativa de cumprimento de condução coercitiva. Ele se apresentou apenas à tarde. Em nota, Celina disse que entrará com representação por quebra de decoro parlamentar contra Chico Vigilante, “pela acusação infundada de que um de seus assessores teria retirado computadore de seu gabinete”. O petista afirmou ter sido procurado por um servidor, que viu a retirada do computador e que não cometeu nenhum crime para ser acusado. (IS e RC)