Título: Peleja contra o relógio
Autor: Salvatti, Ideli; Amado, Guilherme
Fonte: Correio Braziliense, 16/11/2011, Política, p. 4

Há quase seis meses na articulação política do governo, a titular de Relações Institucionais tenta conciliar a negociação com a base aliada e a tarefa de salvar a própria pele

Prestes a entrar no sexto mês à frente da articulação política do governo, Ideli Salvatti tem feito de sua atuação na pasta uma luta constante contra o relógio. Desde junho, quando saiu da periferia da Esplanada dos Ministérios, na pasta da Pesca, e foi alçada pela presidente Dilma Rousseff à disputada Secretaria de Relações Institucionais, ela tenta provar que tem estatura para domar as eventuais rebeldias no Congresso e tirar proveito da maior base aliada que um governo brasileiro reuniu nas últimas duas décadas. Não tem sido fácil.

Entre o corre-corre para aprovar projetos estratégicos e o empurra-empurra de ministros que caem todos os meses, Ideli ainda tem que lidar com as fofocas e os ataques. E eles são muitos. O fogo contra quem está no comando político do Planalto é amplo, geral e irrestrito. Vem da oposição, do PMDB e do próprio PT. Dia sim, outro também, não falta quem tente miná-la com Dilma, Lula e outras estrelas petistas. O tempo urge, mas Ideli não é ingênua. Longe disso.

"Tenho exercitado a conciliação diariamente", confessa, deixando para trás o jeito Ideli de ser. Desde que desembarcou em Brasília, em 2003, para o mandato de senadora por Santa Catarina, acostumou-se mais a defender os outros do que a si própria. Ficou famosa pelas defesas aguerridas que fez do governo Lula no Senado, algumas vezes de forma truculenta. Chamada de "fraquinha" pelo ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, Ideli tem mostrado os dentes quando a missão é salvar a própria pele.

Relações Exemplo disso é a relação com os líderes do governo. No Senado, com o peemedebista Romero Jucá (PMDB-RR), a relação é amena. Ideli tende a concordar mais do que discordar do senador. O atrito maior é com o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). Embora se tratem com deferências e salamaleques em público, um não nutre simpatia pelo outro na esfera privada. No fundo, explica um petista do alto escalão, falta confiança na relação — o próprio deputado articulou abertamente para tentar o cargo nas Relações Institucionais, antes de Dilma escolher Ideli para substituir o demissionário Luiz Sérgio.

"A Ideli acha que os líderes não lideram. Não vê com bons olhos o Vaccarezza, principalmente, e acha que ele não tem ascendência sobre os deputados", diz um grão-petista. Já Vaccarezza fica incomodado com a necessidade de Ideli colher louros com as vitórias do governo. Na semana passada, quando a ministra foi à Câmara para negociar a votação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), o deputado ficou especialmente irritado. "Um tenta desestabilizar o outro o tempo todo", explica outro petista.

Com o PMDB, aliado que deu dor de cabeça no início do governo, diante do apetite por cargos, a relação é tranquila. O líder do partido na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), é só elogios. Os dois se dão às mil maravilhas. Falam-se em média duas vezes por dia, e ele, aos poucos, se torna um de seus principais interlocutores dentro do PMDB. "No começo, ela foi um pouco trator. Teve dificuldades, sobretudo em relação à Câmara. Eu, por exemplo, não a conhecia. Até estabelecer um laço de confiança e mostrar que somos parceiros, demorou", diz Henrique.

Procissão Como rotina, Ideli trabalha até tarde. Mesmo um ferrenho crítico na Câmara admite que ela não nega trabalho. "Ela é trabalhadeira, não é preguiçosa, é firme", diz o deputado. Bem avaliada por Dilma, faz o dever de casa com afinco. Chega por volta das 8h30 ao Planalto, lê os jornais e, de sua sala, no quarto andar do Palácio, telefona pessoalmente para governadores, deputados, senadores e ministros que estão fazendo aniversário. "Acho importante o contato fraterno e mais descontraído", justifica. Reúne-se com Dilma, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e a secretária de Imprensa, Helena Chagas, para discutirem o que foi notícia na imprensa e acertar a agenda do dia. Daí em diante, começa a procissão de deputados, senadores e assessores, que só para no fim da noite.

Entre um deputado e outro, Ideli faz questão de elogiar sua parceria com Carvalho e Gleisi. "Somos um time afinado e coeso, ninguém aqui extrapola competências." O discurso tem o seu porquê. Nas últimas semanas, não têm sido poucas as tentativas de intrigá-la com Carvalho, hoje um poderoso ministro no governo, que acumula a experiência que teve em oito anos como chefe de gabinete de Lula e a amizade com o ex-presidente. Mas Carvalho, que conhece a colega desde 1974, se apressa em negar qualquer atrito ou disputa entre os dois. "Essa função dela é tida como a mais difícil do Planalto. O ex-presidente Lula dizia que ministro nesta área tem validade curta, porque o cara recebe demanda e não consegue dar sequência a todas. Por isso é natural que haja uma fritura do ministro."

Gilberto Carvalho pode ficar tranquilo. Justamente por estar correndo contra o tempo para evitar sua fritura, Ideli tem aprendido a lidar com os ponteiros do relógio. "Aqui eu sempre digo que é preciso viver um dia de cada vez. Para cada dia, a sua agonia", enuncia a ministra, como num mantra diário.