Correio braziliense, n. 19449, 28/08/2016. Política, p. 2

A cena se repete 8.640 dias depois

Após o afastamento de Fernando Collor, em 1992, Senado volta a julgar um presidente da República por crime de responsabilidade. Dilma é acusada de praticar fraude orçamentária, com as chamadas pedaladas fiscais. Sessão de hoje terá o depoimento de quatro testemunhas

Por: João Valadares

 

O Brasil volta a assistir hoje — quase 24 anos depois do impeachment de Fernando Collor de Melo, que começou na manhã de 29 de dezembro de 1992 — a um novo julgamento de um presidente da República. Acusada de ter cometido crime de responsabilidade por ter realizado suplementações orçamentárias sem autorização do Congresso Nacional e de praticar as chamadas “pedaladas fiscais”, a presidente afastada, Dilma Rousseff, será submetida ao crivo de 81 juízes. De um lado, aliados da petista, que tentam virar os votos de seis a oito senadores, insistem que ela é vítima de um golpe parlamentar. Os governistas atestam que o afastamento é constitucional e dentro de todos os parâmetros legais.

Hoje, a partir das 9h, sob o comando do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, duas testemunhas de acusação, as únicas arroladas, e outras duas de defesa, já isoladas e sem comunicação em um hotel de Brasília,  serão questionadas pelos senadores. Amanhã, os parlamentares ouvem mais quatro, também indicadas pela defesa.

Hoje, o primeiro a falar será o procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União, Júlio Marcelo de Oliveira. Depois, é a vez do auditor de fiscalização do TCU Antonio Carlos Carvalho. Em seguida, já pela defesa, serão ouvidos o economista Luiz Gonzaga Belluzzo e o professor de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Geraldo Prado. Todas as testemunhas estão isoladas num hotel cinco estrelas distante 3km do Congresso. Elas estão proibidas de conversar entre si e sem acesso a tevê, telefone ou internet. Só no sábado serão liberadas para retornarem para casa. O procedimento foi estabelecido de acordo com o que manda o Código de Processo Penal. A segurança será feita pela polícia legislativa do Senado.

A previsão é de que a sessão de hoje tenha início com os aliados de Dilma fazendo várias questões de ordem. A estratégia, inclusive, é repetir perguntas que foram feitas na sessão de pronúncia da presidente afastada, que acabaram rejeitadas por Lewandowski. A expectativa é de que o presidente do STF indefira novamente.

Passada essa etapa, Lewandowski será o primeiro a inquirir as testemunhas. Depois, cada senador tem até seis minutos para fazer perguntas. Os advogados de acusação e de defesa contam com 10 minutos cada um. Parlamentares do PMDB, PSDB, DEM, PP e PSB decidiram, para não retardar o processo, que só os líderes devem questionar. A previsão é de que todas as oito testemunhas sejam ouvidas até a madrugada de sábado.

 

Votos

Ontem, aliados da petista afirmaram que é possível reverter alguns votos ainda. A estratégia é aproveitar as querelas regionais para tentar atrair senadores para o lado da presidente. A grande dificuldade é que o presidente interino, Michel Temer, tem a caneta na mão. Dilma, apenas a promessa.

Mesmo achando a missão bastante difícil, os aliados da petista têm investido em conversas com os senadores Edison Lobão (PMDB-MA), João Alberto (PMDB-MA), Roberto Rocha (PSB-MA), Benedito de Lira (PP-AL), Ivo Cassol (PP-RO), Davi Alcolumbre (DEM-AP), Acir Gurgacz (PDT-RO), Omar Aziz (PSD-AM), Pedro Chaves (PSC-MS), Dário Berger (PMDB-SC) e Romário (PSB-RJ). Desses, apenas Gurgacz e Aziz informam que estão indecisos. Todas eles votaram contra a presidente Dilma nas duas primeiras votações no Senado.

A expectativa é de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegue a Brasília só na segunda-feira, no entanto, aliados alegam que, se for preciso, a maior estrela petista pode antecipar e desembarcar na capital federal no fim de semana.

O Palácio do Planalto trabalha com uma margem de votos favoráveis ao impeachment que varia entre 60 e 62. Se o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), decidir votar, o que é uma hipótese remota, os governistas avaliam que podem chegar a 62 votos. O governo já conta com a posse de Temer na tarde do dia 31.

À noite, o peemedebista viaja para a China em missão oficial. Na sessão que decidiu a pronúncia da presidente, 59 senadores se posicionaram de maneira contrária à petista. Para afastar Dilma Rousseff de maneira definitiva, são necessários 54 votos, o que significa dois terços do Senado. Temer aproveitou o início da semana para intensificar negociações com os senadores. Na segunda e na terça-feira, ele se reuniu com oito parlamentares para assegurar os votos na sessão do impeachment.

 

Discurso

A presidente Dilma deve fazer, na segunda-feira, a partir das 9h, um discurso de defesa no plenário do Senado com um tom emocional. No entanto, a estratégia é não se vitimizar. Aliados alegam que a própria circunstância do processo a torna vítima. A ideia é que Dilma incorpore a mulher que encarou seus algozes na ditadura. Um senador afirma que “ela estará de cabeça erguida e olhando respeitosamente para cada um dos parlamentares”.

Dilma vai evocar o passado de luta. A petista deve fazer o discurso sentada, ao lado do presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski. Mesmo com a negativa do PT, a presidente vai garantir que, se retornar ao poder, convocará um plebiscito para a população decidir se quer a realização de novas eleições. Depois do discurso, os senadores podem questioná-la. Cada um terá cinco minutos e Dilma pode responder com o tempo que achar necessário.

 

Como será

Confira o que está previsto hoje, primeiro dia do julgamento do impeachment de Dilma

 

Início do julgamento

Sessão começa às 9h de hoje

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, apresenta as partes.

Em seguida, é aberto um prazo para questões de ordem: senadores apresentarão em nome da acusação ou da defesa, por cinco minutos. Não se discute o mérito.

Em seguida, inicia-se a inquirição das duas testemunhas de acusação. Na sequência, as seis de defesa.

Os senadores são os primeiros a questionar. Todos os 81 senadores podem falar (incluindo o presidente do Senado, Renan Calheiros, caso queira). A lista de inscrição dos parlamentares é aberta 24 horas antes do início do julgamento e não fecha.

São concedidos três minutos para as perguntas, três para a réplica, três para a tréplica e três minutos para os esclarecimentos finais.

O presidente da sessão pode complementar perguntas, impugná-las se julgar que elas induzem as testemunhas, e questioná-las a hora que quiser.

Ao fim das perguntas dos senadores, abre-se espaço para a defesa e acusação perguntarem. São concedidos seis minutos para as perguntas iniciais e seis minutos para as respostas. Em seguida, concede-se quatro minutos para os esclarecimentos finais dos advogados e das testemunhas.

Fim da inquirição das testemunhas sem data definida, podendo ocorrer na madrugada de sábado.

 

Intervalos

A sessão será suspensa às 13h e retomada às 14h. Mais tarde, a sessão é suspensa às 18h e retomada às 19h. Estão previstas novas pausas de 30 minutos a cada quatro horas.

O presidente da sessão, Ricardo Lewandowski, pode suspendê-la quando bem entender. Mas a sessão seguirá inicialmente até o fim das oitivas das testemunhas. Depois, será retomada na segunda-feira, dia 29, às 9h, com a presença de Dilma Rousseff.

 

Ponto por ponto

Quem presidirá a sessão?

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski.

 

Quem é a ré?

Dilma Rousseff, presidente afastada

 

Quem acusa?

Os juristas Miguel Reale Jr., Hélio Bicudo e Janaína Paschoal

 

Qual é a acusação?

Crime de responsabilidade fiscal pelo atraso de repasses do Banco do Brasil ao Tesouro Nacional para o pagamento do Plano Safra e edição de créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional.

 

E as testemunhas?

São oito. Elas ficarão incomunicáveis por 24 horas antes do julgamento até o fim da inquirição de todas elas.

 

Os nomes da acusação

» Julio Marcelo de Oliveira, representante do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU)

» Antonio Carlos Costa d ‘Ávila Carvalho, auditor do TCU

 

Os nomes da defesa

» Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Federal de Campinas (Unicamp)

» Geraldo Prado, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

» Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda

» Luiz Cláudio Costa, ex-secretário executivo do Ministério da Educação

» Esther Dweck, ex-secretária de Orçamento Federal

» Gilson Bittencourt, ex-secretário do Planejamento

 

Quem julgará?

Os 81 senadores. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), opta por não falar nem votar.

 

Placar necessário para a condenação?

54 votos, dois terços do total de senadores

 

Qual foi o placar da aprovação do relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) em 9 de agosto?

59 votos a favor e 21 contrários. Renan Calheiros não votou.

 

O que ocorre se a presidente Dilma for condenada?

Será destituída do cargo de presidente e inabilitada para o exercício de função pública por oito anos.