Mercosul isola Caracas e dá ultimato a Maduro

14/09/2016

Brasil, Argentina e Paraguai anunciaram ontem que chegaram a um consenso com o Uruguai sobre o futuro da Venezuela no Mercosul. A conclusão é que Caracas não cumpriu as normas exigidas pelo protocolo de adesão e terá até 1.º de dezembro fazê-lo.

Caso contrário, será suspensa do bloco. Até lá, a presidência semestral, que corresponderia aos venezuelanos, será colegiada.

“A presidência do Mercosul no corrente semestre não passa à Venezuela, mas será exercida por meio da coordenação entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai”, diz o comunicado brasileiro assinado pelo chanceler José Serra. O texto diz ainda que os países poderão definir cursos de ação e adotar as decisões em matéria econômico-comercial e em outros temas essenciais para o funcionamento do Mercosul. “O mesmo ocorrerá nas negociações comerciais com terceiros países ou blocos de países.” O prazo anterior para Caracas adequar-se venceu em 12 de agosto, sem que o país tenha incorporado a sua legislação cerca de 500 pontos relacionados principalmente a temas alfandegários e de respeito aos direitos humanos. Esse descumprimento foi um dos argumentos de Paraguai e Brasil para impedir que a presidência semestral do bloco fosse ocupada pela Venezuela, a quem o posto caberia segundo o critério de ordem alfabética.

Outra alegação era a de que a instabilidade política e econômica pela qual passa o governo de Nicolás Maduro poderia prejudicar a negociação de tratados de livre-comércio com outros blocos, como o discutido com a União Europeia.

O Uruguai, único a não se manifestar ontem, concordou com o prazo indiretamente, por meio de uma abstenção. Os uruguaios defendiam o direito da Venezuela de assumir o bloco – uma função administrativa e simbólica que ganhou relevância também em função de crises internas que influenciaram a política exterior de alguns países.

O governo do uruguaio Tabaré Vázquez é pressionado pela ala mais à esquerda de sua coalizão, a Frente Ampla, da qual participa o ex-presidente José Mujica, a não abandonar a Venezuela.

O grupo já está divido por um forte ajuste econômico, ao qual se opõe a ala de Mujica.

A decisão do Mercosul termina com um impasse acentuado pela passagem unilateral da presidência pelos uruguaios aos venezuelanos, em julho. Um trecho comum dos comunicados de Paraguai e Argentina ressalta que a medida foi tomada para avançar em negociações comerciais e Caracas descumpriu suas obrigações para a adesão plena.

“Essa declaração reflete o consenso alcançado para facilitar o funcionamento do Mercosul e coordenar as negociações com outros países e grupos de países, assim como os passos para assegurar o equilíbrio de direitos e obrigações no processo de adesão da Venezuela, sabendo que o país não incorporou normativa essencial do Mercosul em sua legislação nacional”, diz o texto publicado pelo Paraguai às 21h10.

A nota brasileira é mais extensa e detalha alguns pontos do descumprimento. “Entre os importantes acordos e normas que não foram incorporados ao ordenamento jurídico venezuelano estão o Acordo de Complementação Econômica n.º 18 (1991), o Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul (2005) e o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul (2002)”, diz o texto.

Segundo um funcionário ligado à presidência paraguaia ouvida pelo Estado, os venezuelanos até poderiam assumir a presidência do bloco se comprovassem antes do novo prazo ter se adaptado às normas que faltam.

Mas, se não adequarem, “a suspensão é o caminho”. Essa é a aposta de Brasil e Paraguai, que assumiram o discurso mais duro contra Maduro.

A Venezuela argumenta que há normas incompatíveis com sua Constituição e entre os países fundadores há alguns que desobedecem mais normas. O chanceler paraguaio, Eladio Loizaga, sustenta que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai estão sujeitos por lei a outro ritmo de cobrança.

Assunção congelou suas relações diplomáticas com Caracas ao retirar em agosto seu embaixador no país e não estabelecer prazo para volta. O mesmo ocorreu entre Venezuela e Brasil, depois de Maduro remover sua representação em solidariedade à ex-presidente Dilma Rousseff, por não concordar com o processo de impeachment. Analistas consideram que a definição do quadro político brasileiro contribuiria para que o Itamaraty pudesse colocar com mais força sua posição diante dos outros integrantes do bloco.

Reação

“A presidência do Mercosul no corrente semestre não passa à Venezuela, mas será exercida por meio da coordenação entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai”

 

O Estado de São Paulo, n. 44892, 14/09/2016. Política, p. A11